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O estado de defesa do presidente da República: uma constatação óbvia

O estado de defesa do presidente da República: uma constatação óbvia

Vera Chemim*

Vera Chemim. FOTO: DIVULGAÇÃO

As considerações externadas pelo atual PGR remetem a um literal “estado de defesa” do presidente da República.

Declarar expressamente que o estado de calamidade pública constitui uma “antessala do estado de defesa” provoca reflexões relevantes, tanto do ponto de vista político, quanto da interpretação de dispositivos constitucionais que dispõem sobre o tema.

Em primeiro lugar, a decretação de um estado de defesa pressupõe alguns requisitos indispensáveis previstos no artigo 136, da Carta Magna, quais sejam, uma ameaça à ordem pública e/ou à paz social decorrente de uma instabilidade institucional ou quando se enfrenta uma calamidade pública de grandes proporções na natureza.

Depreende-se que a atual conjuntura não comporta aquela medida de “exceção”, até porque, na hipótese de um decreto dessa natureza haveria restrições aos direitos de reunião, sigilo de correspondência e de comunicação telegráfica e telefônica, além de um controle jurisdicional concomitante, quando se tratar de prisão de qualquer pessoa ou de prisão por crime cometido contra o Estado, conforme preveem os Incisos I, II, III e IV do § 3º, do artigo 136, da Constituição Federal de 1988.

Em segundo lugar e igualmente importante é a previsão constitucional de que, decretado o estado de defesa pelo presidente, o Congresso Nacional deverá receber aquele ato no prazo de 24 horas, devidamente fundamentado, para então decidir por maioria absoluta, pela aprovação ou rejeição daquela medida.

Portanto, num “Estado Democrático de Direito”, o Inciso IV, do artigo 49, da Carta Magna determina que o Congresso Nacional tem a competência exclusiva de aprovar ou não um decreto de estado de defesa.

Da mesma forme, declarar que medidas criminais contra autoridades federais, estaduais e municipais devem ser remetidas ao Poder Legislativo e não à PGR desperta igualmente uma análise mais detida.

Há que se reconhecer que tais afirmações podem ser consideradas uma espécie de ameaça sutil, no sentido de defender o presidente a qualquer custo, diante da constatação do suposto cometimento de crimes de responsabilidade e crimes denominados “infrações comuns” previstas no Código Penal brasileiro.

Diante da fala da PGR é importante separar crimes de responsabilidade e crimes comuns e as respectivas competências para a aprovação e/ou iniciativas de abertura de investigação no âmbito de um inquérito policial.

No que diz respeito aos supostos crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente, a competência para autorizar a instauração de processo e para processar e julgar é respectivamente (e realmente!), da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, as duas Casas Legislativas que compõem o Poder Legislativo, conforme estabelecem os artigos 51, Inciso I e 52, Inciso I, da Constituição Federal de 1988.

Contudo, os crimes comuns supostamente cometidos pelo presidente da República devem ser investigados pelo Ministério Público (leia-se PGR, em razão do foro privilegiado), uma vez que é o órgão competente para a requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais, de acordo com o Inciso VIII, do artigo 129, da Carta Magna.

Daí, a constatação de que a PGR necessita remeter aquela responsabilidade para o Poder Legislativo, independentemente da classificação dos supostos crimes (de responsabilidade ou comuns), ao invés de assumir a sua competência para investigar e instaurar inquérito para a elucidação de atos ilícitos definidos pela legislação (Código Penal), como “infrações comuns”.

Partindo do óbvio pressuposto de que o atual PGR defende o presidente da República, a nota expedida leva à compreensão de que, diante de tantas acusações (de crimes de responsabilidade e crimes comuns) endereçadas ao presidente da República, especialmente relacionados ao combate à pandemia e à imunização das pessoas (que teriam sido desprezadas e passíveis de omissão pelo Chefe do Poder Executivo), além dos supostos atos ilícitos contra a Administração Pública, as entrelinhas contêm duas mensagens muito claras:

– a primeira é a de que o PGR procura direta e indiretamente transferir a responsabilidade de apuração e julgamento de qualquer ato ilícito supostamente cometido pelo presidente da República, ao Poder Legislativo;

– a segunda é a de que o PGR, diante das inúmeras pressões políticas ameaça sutilmente, ao declarar que, caso não cessem aquelas acusações decorrentes do desprezo e omissão do presidente da República, diante da pandemia e da corrupção haveria a possibilidade de se decretar um estado de defesa para “acalmar os ânimos” e “defender o Estado Democrático de Direito”.

Resta saber qual é a interpretação do PGR, no que diz respeito ao Estado Democrático de Direito.

Não se pode olvidar o fato inequívoco de que o atual PGR já vem agindo em tempos recentes, de forma autoritária, progressiva e agressiva, no sentido de resgatar o antigo “status quo” de representantes políticos, especialmente os ligados ao entorno do presidente da República, por meio de vários atos de sua competência, como o início e continuidade do enfraquecimento e quase eliminação da Operação Lava Jato com a ordem de compartilhamento total e irrestrito de informações do COAF, da Receita Federal e do Banco Central, além de outros procedimentos voltados a impor verticalmente os seus objetivos pretensamente “institucionais”.

Ademais, a remota hipótese de emergência de um movimento contra a democracia teria que ter o apoio das Forças Armadas, que não se coaduna com os objetivos e formação dos seus membros, uma vez que posições ideológicas estão fora de contexto, no que diz respeito a sua atuação militar e apolítica, além de não existirem fundamentos constitucionais e supralegais e políticos suficientemente fortes para uma ruptura da atual ordem constitucional.

Por outro lado, uma revolução popular a favor do presidente da República é outra hipótese fora de cogitação, dada a também forte polarização político-ideológica da atual conjuntura e a falta de elementos fundamentais que possam sustentar um evento dessa natureza.

*Vera Chemim, advogada constitucionalista

Fonte: Estadão

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