ICMS nas tarifas de energia prejudica consumidores
Anace destaca que efeitos da decisão do STJ atingem até os consumidores que, por anos, obtiveram liminares para a sua exclusão; advogados tributaristas apontam que medida gera insegurança jurídica e efeitos na jurisprudência sobre o assunto
Por Celso Chagas
21/03/2024
A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que as tarifas de uso do sistema de distribuição (Tusd) e de transmissão (Tust) devem estar na base de cálculo do ICMS é prejudicial aos consumidores, inclusive para aqueles que, por muitos anos, obtiveram liminares para a sua exclusão.
A opinião é da Anace. Para a entidade que representa nacionalmente os consumidores de energia, a discussão no tribunal foi pautada pelo “assombro da perda da arrecadação dos valores, deixando à deriva questões técnicas relevantes para o tema”. Isso porque a deliberação afetou outras decisões da Justiça que haviam acatado liminares de consumidores para não pagar essa parcela do ICMS.
Tais liminares foram baseadas na tese de que o transporte de energia – tanto a distribuição como a transmissão – não constituía base de incidência da circulação por se tratar de disponibilidade de infraestrutura para o recebimento da energia.
Agora, segundo a entidade, com a argumentação de que energia é mercadoria e não circula sem a infraestrutura, e que a Constituição Federal determina a incidência do ICMS sobre operações de energia elétrica, o entendimento é de que não há como separar as etapas, de modo que o imposto deve incidir sobre todo o fornecimento, seja via redes de distribuição ou rede básica, incidindo também sobre as tarifas de demanda.
A Associação vê com preocupação o fato de a decisão determinar a incidência do imposto para todo o fornecimento de energia elétrica, em particular no caso das empresas que não se creditam dos valores pagos. “Afinal, além de afetar diretamente a competitividade das empresas, a medida deve pressionar os preços dos produtos e serviços usados por todos os brasileiros”, aponta, em comunicado.
Insegurança jurídica
Para Rodrigo Pinheiro, sócio do Schmidt Valois Advogados, a decisão do Tribunal é mais um capítulo da insegurança jurídica relacionado ao assunto. Segundo ele, as duas turmas do STJ possuíam decisões divergentes sobre o tema e, agora, reunidas na 1ª Seção, alguns ministros que haviam se posicionado favoravelmente aos contribuintes mudaram seu posicionamento e passaram a decidir pela legalidade da inclusão.
“A questão é que, independentemente da decisão do STJ, o tema ainda se encontra em aberto também no Supremo Tribunal Federal (STF), que deverá analisar em decisão final de mérito se a Lei Complementar 192/2022, que havia excluído o Tust e a Tusd da base de cálculo do ICMS, é constitucional”, reforça.
Atualmente, o dispositivo sobre o tema na LC 192 está suspenso por força de uma liminar do ministro Luiz Fux. “Do ponto de vista técnico, a Tust/Tusd não deveriam compor a base de cálculo do ICMS. Entretanto, como o STF possui precedentes no sentido de que essa questão é infraconstitucional, a rigor a última palavra é do STJ”, complementa Maria Andréia dos Santos, do escritório Machado Associados.
Para Pinheiro, os impactos não devem ser tão relevantes nas faturas de energia, exceto para as empresas que usufruíram de eventuais liminares que reconheciam a exclusão do Tust e da Tusd na base de cálculo do ICMS.
Segundo ele, é possível que essas liminares venham a ser revistas em função do novo entendimento do STJ. “Por outro lado, na perspectiva dos contribuintes em geral, os estados nunca deixaram de incluir o Tust e a Tusd da base de cálculo do ICMS, de modo que o novo acórdão do STJ apenas reforçará uma prática que nunca deixou de ser adotada pelos estados, e a conta de energia desses contribuintes não deverá ser alterada”, complementa.
Modulação
“É importante ressaltar que a modulação dos efeitos decidida pela Primeira Seção do STJ se aplica apenas aos contribuintes que, até 27/03/2017, ingressaram com medida judicial e obtiveram deferimento de liminar”, ressalva
De acordo com a tributarista, vincular os efeitos da modulação à condição da pré-existência de liminar vigente é uma inovação que limita consideravelmente o alcance da medida, especialmente diante da suspensão nacional de todos os processos envolvendo o tema repetitivo desde 15 de dezembro de 2017.
Mudanças jurisprudenciais
Já a visão do advogado Pedro Lameirão, sócio da área de tributário do BBL Advogados, é de que a decisão do STJ marca uma mudança significativa na jurisprudência, que agora vai de encontro aos interesses dos contribuintes.
“O STJ, em diversos julgados anteriores, reconhecia a ilegalidade dessa inclusão, argumentando que as tarifas de transmissão e distribuição remuneravam o uso da infraestrutura e não a energia em si. No entanto, o entendimento anterior foi superado, e a inclusão das tarifas na base de cálculo do ICMS foi validada pelos ministros, sob a justificativa de que é impossível separar as etapas de transmissão e distribuição das demais etapas de geração e consumo da energia elétrica”, explica.
Além disso, Lameirão ressalta que essa mudança de entendimento não se limita apenas ao caso das tarifas de energia elétrica: ele aponta o Tema Repetitivo 1079, que trata da limitação da base de cálculo de contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros, como outro exemplo.
“A jurisprudência favorável aos contribuintes foi alterada de forma unânime pela Primeira Seção do STJ, gerando insegurança jurídica e instabilidade no ambiente de negócios”, alerta. Diante desses eventos, o especialista destaca a necessidade de acompanhar de perto as mudanças jurisprudenciais e adotar estratégias adequadas para lidar com a crescente insegurança jurídica no campo tributário.
Por fim, para o advogado, a decisão do STJ é preocupante, pois coloca mais pressão sobre os consumidores e as empresas do setor elétrico. “Aumentar a base de cálculo do ICMS para incluir as tarifas de energia é injusto e pode prejudicar ainda mais a economia do país”, finaliza.