Política de segurança pública volta ao passado?

 

Logo Conjur

Política de segurança pública: volta ao passado e mais do mesmo?

21 de junho de 2023, 17h19

Por Lincoln Telhado

A eleição de Lula marca o retorno de um velho conhecido para o comando do país, e com ele retornam também muitas das ideias geradas e implementadas nos seus primeiros governos, durante os anos de 2003 a 2010. Até o momento, as principais políticas do governo são reedições de programas editados outrora: Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Farmácia Popular, Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Mais Médicos (lançado no governo Dilma), entre outros.

Na área da segurança pública não tem sido diferente e assiste-se, nestes seis primeiros meses de governo, o retorno de muitos projetos. Na verdade, isso não é necessariamente ruim, e o fato é que o governo possui um entendimento explícito sobre os aspectos basilares da política de segurança pública que almeja implementar.

Nesse sentido, o governo exprime e exprimirá um foco no desenvolvimento de políticas públicas, entendendo o fenômeno da criminalidade e da violência de forma multifatorial. Essa já era uma das diretrizes primordiais dos governos Lula 1 e 2, e foi novamente materializada na reedição do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci 2), principal política lançada pelo governo até aqui. Assim, a segurança pública é encarada não só como um problema de polícia, mas também como um problema social. O combate ao crime depende da ostensividade policial somada a práticas complementares de estímulo à cultura, educação, saúde, esporte, entre outras, que visam garantir os direitos de grupos sociais mais vulneráveis, notadamente os que mais sofrem com os efeitos da violência no país. O debate com a sociedade civil e organizações não governamentais através de conselhos e fóruns de discussões é outro ponto central.

Enxergar a segurança pública como política pública envolve, basicamente, estes aspectos. A princípio, o caminho tomado pelo governo é positivo, ainda que possa representar uma volta ao passado e mais do mesmo, no sentido de não representar novidade na pauta do que os especialistas em segurança pública há tempos entendem como paradigma mais oportuno. Perceber o problema da segurança pública não só pela sua face mais aparente, da repressão, ajuda na compreensão e na elaboração de estratégias para a resolução dos problemas da criminalidade e da violência e, de fato, é uma lente mais adequada. Também é positivo envolver atores sociais no processo de discussão das políticas, o que confere maior legitimidade e pluralidade na busca de melhorias. Contudo, apenas uma visão de mundo mais realista de como lidar com o problema não será suficiente. Não foi da primeira vez, e provavelmente não será neste novo governo.

Parte do entrave reside na complexidade trazida pela questão federativa. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, envolve diversos atores, com diferentes capacidades e alçadas de competências. Pode-se também somar como entrave o tamanho do país, que tem variações e especificidades regionais que dificultam e tornam ineficiente a adoção de medidas uniformes; bem como os altos custos de integração e de mobilização, visto que encarar a segurança pública de forma multissetorial exige a articulação com agentes, seja os estatais ou da sociedade civil, muitos dos quais atuam em diferentes frentes. Ou seja, os esforços para aproximação devem envolver não só os agentes de segurança propriamente ditos, como as polícias estaduais e as guardas municipais, mas também agentes que atuem, por exemplo, nas áreas da saúde, cultura, educação.

Ademais, o risco da responsabilidade é alto. Assumir a primazia na gestão da segurança pública do país, mesmo sem uma responsabilização formal da constituição ou da legislação, é um passo difícil. Foi cogitado ainda durante o primeiro governo Lula, mas não foi efetivado e nenhum dos governos subsequentes ensaiou levar a ideia adiante. A própria formalização do Sistema Único de Segurança Pública, por exemplo, medida enunciada diversas vezes nos primeiros governos Lula, só foi efetivada em 2018 no governo Michel Temer. Tem-se uma espécie de demanda pela “federalização” da segurança pública que tem sido renegada, e, na prática, nenhum dos governos federais contemporâneos foi capaz de avançar e alcançar resultados efetivos para além do financiamento e distribuição de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública — que vem sendo usado especialmente para a compra de equipamentos para as forças de segurança.

Até o momento, os seis meses de governo Lula demonstram algumas características. Por um lado, há avanço na discussão de medidas de acesso à Justiça, de racionalização do sistema penitenciário, de questões envolvendo o uso e tráfico de drogas e de controle de armas pela população civil; por outro, as entregas ainda se limitam a respostas às crises de segurança, como os ataques no Rio Grande do Norte, o funcionamento de atividades ilegais em garimpos em terras indígenas na região Norte e os ataques em escolas de todo o país. De estratégico tem-se o Pronasci, que visa a redução do número de feminicídios no país.

De toda forma, espera-se maiores avanços para que o governo federal não seja apenas um distribuidor de recursos. Não que isto não seja relevante, pelo contrário, entretanto, espera-se que o governo que tanto preza pelas políticas públicas consiga alcançar resultados mais efetivos, como a redução dos índices de violência contra vulneráveis, da vitimização e da letalidade policial, da maior eficiência no sistema prisional e do avanço na segurança das fronteiras, garantindo, assim, a segurança de seus cidadãos.

Lincoln Telhado é cientista político, profissional de Relações Institucionais e Governamentais, convidado especial do Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário (ITCN) para a live “Política de segurança pública do governo Lula: desafios, mudanças e projetos”, que a entidade promove dia 22/6/2023.

Fonte: ConJur


Posts relecionados

ABBC promove palestra online e gratuita sobre cenário pós-covid

Evento será dia 11 de junho, às 17h. Participará do evento Guga Stocco, palestrante...

Logo Estadão
Medida Provisória 966 afronta Constituição

Na MP agentes públicos passam a ser isentos de responsabilidade por erros que...

Fale conosco

Endereço
Rua Wisard, 23 – Vila Madalena
São Paulo/SP
Contatos

(11) 3093 2021
(11) 974 013 478