Pix e “Jogo do Tigrinho” impulsionam a agiotagem no Brasil
Vício em apostas e a possibilidade de conseguir dinheiro rápido aumentaram a procura por criminosos, dizem especialistas
“Empréstimo pelo Pix em menos de 1 minuto” é o que promete uma série de anúncios em redes sociais. A oferta de crédito sem maiores exigências atrai muitos brasileiros. Alguns grupos em redes sociais sobre o assunto têm mais de 60.000 membros, enquanto os perfis que se descrevem como agiotas acumulam seguidores.A facilidade do sistema de pagamento digital, através do sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, é um dos fatores por trás da proliferação de ofertas, mas cada vez mais o vício nas apostas online também se destaca, por impulsionar o problema.
Basta uma pesquisa um pouco mais aprofundada nas redes para encontrar os primeiros riscos do crédito alternativo. Diversos usuários reclamam de taxas abusivas e afirmam que não conseguem pagar os valores acordados. Alguns denunciam golpes, falta de pagamento, e por vezes, o fato de terem sido obrigados a pagar algum adiantamento. Crescem, também, os relatos de extorsões por parte de grupos que emprestam dinheiro.
Em 2023, a polícia do Mato Grosso realizou uma operação contra a chamada “Gangue do Chicote”, que se notabilizou no Estado por torturar suas vítimas com tal instrumento e postar as imagens na internet, como represália pela suposta falta de pagamento dos empréstimos.
Lena Carolina Forsman, advogada criminalista da firma Bialski Advogados, lembra que o crime de agiotagem –de menor pena, de 6 meses a 2 anos– normalmente ocorre associado a outras infrações mais graves. Além das somas abusivas cobradas, a especialista aponta um “efeito cascata” gerado pelos grupos, que enquadra lavagem de capitais, estelionato, falsidade ideológica e associação criminosa.
“A agiotagem é muito mais praticada do que se imagina. Percebemos um aumento, na adoção com o Pix ganhando protagonismo”, diz a especialista. Ela afirma que obter empréstimos antes da era das redes sociais era mais complicado, o que normalmente envolvia dinheiro em espécie e contato com assessores.
A educadora financeira e professora da FGV-IDE Ana Paula Hornos aponta que os contatos com agiotas normalmente são feitos por indicação de amigos que já utilizaram esses serviços, e “as redes sociais e o Pix facilitam essas transações, permitindo transferências instantâneas”.
Segundo Forsman, a liberação de crédito de forma mais fácil e menos burocrática incentiva as vítimas a buscarem o serviço. Depois de enviada a verba, criminosos costumam utilizar técnicas de manipulação, como ameaças, retaliação contra familiares ou exposição social.
Sua experiência é que, por desconhecer as leis, muitas vítimas não buscam ajuda legal. Há casos em que os lesados sequer sabem como registrar uma denúncia relativa à questão. Além disso, há o medo de retaliações e o temor do eventual estigma social.
Apostas: um vício perigoso, sobretudo para os jovens
Recentemente ganhou o noticiário uma série de casos envolvendo ameaças de agiotas por dívidas de dezenas e até centenas de milhares de reais. Em comum, o vício das vítimas em apostas esportivas e cassinos online, como o conhecido Fortune Tiger, ou “Jogo do Tigrinho”.
No começo de julho, o corpo do mecânico Marcos Roberto Machado foi encontrado numa rodovia próxima da cidade de Diamantino (MT). A família revelou à polícia que a vítima teria uma dívida de R$ 200 mil com um agiota, resultante de apostas no Jogo do Tigrinho.
Hornos observa uma forte tendência de avanço da agiotagem nesse meio: “O ciclo de dívidas geralmente começa com apostas aparentemente inofensivas e pequenas somas, vistas como uma forma de lazer. No entanto as perdas iniciais podem levar os indivíduos a apostar mais, na tentativa de recuperar o dinheiro perdido”.
As apostas oferecem ainda a promessa de ganhos rápidos e fáceis, altamente atrativa para os jovens em busca de crescimento financeiro acelerado.
“As dívidas de centenas de milhares geralmente resultam da combinação de apostas compulsivas e a utilização de empréstimos. Quando os indivíduos esgotam suas economias e os recursos de crédito formal, recorrem a agiotas, que oferecem empréstimos com juros exorbitantes. A tentativa de recuperar perdas substanciais leva a apostas cada vez maiores, aumentando rapidamente a dívida”, avalia a educadora financeira.
Setor de apostas em alta
Uma pesquisa realizada pela SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo) em junho mostra que o apelo das apostas é mais forte entre os jovens, e que também são eles que arriscam mais seu orçamento. Do total dos entrevistados, 29% dos apostadores têm de 25 a 34 anos; 22% de 35 a 44 anos; 15% de 18 a 24 anos; 13% têm 65 anos ou mais; 12% de 45 a 54 anos; e 10% de 55 a 64 anos.
Dos apostadores consultados no estudo, 64% afirmaram utilizar a renda principal para realizar as apostas online, e 63% tiveram parte do orçamento comprometido; 28% dos que deixaram de comprar algo têm entre 18 a 24 anos, contra apenas 5% entre os 55 a 64 anos.
Na visão de Hornos, a adrenalina e excitação associadas às apostas, combinadas com o reforço social entre amigos, a falta de experiência e o desenvolvimento incompleto da capacidade de avaliar riscos, tornam os jovens particularmente vulneráveis.
Uma regulamentação desse setor no Brasil está a caminho. Por outro lado, os cassinos online –onde se enquadra o Jogo do Tigrinho, por exemplo– não são permitidos no país, e as plataformas normalmente usam sedes no Caribe e em ilhas como Malta.
O mercado de apostas brasileiro já soma o equivalente a 1% do PIB (Produto Interno Bruto) do país, segundo estimativa da XP Investimentos sobre o setor. O relatório cita a BNL, segundo a qual os brasileiros apostaram entre R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões em 2023. As empresas do setor faturariam cerca de 13% do valor circulado, ou seja, no mínimo R$ 13 bilhões.
O estudo da SBVC revelou ainda que 49% dos apostadores aumentaram a frequência de suas apostas em 2024. Uma pesquisa da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) sobre investidores no Brasil destacou o setor: em 2023, 14% dos brasileiros usaram as plataformas de apostas. Para 40%, deles, a atividade é uma forma de ganhar dinheiro rápido em momentos de necessidade, com 22% a considerando uma forma de investimento financeiro.