No mundo digital, os termos de busca são propriedade?

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No mundo digital, os termos de busca são propriedade?

21 de agosto de 2023, 6h33

Por Saulo Stefanone Alle

Na década de 1980, era preciso ir ao supermercado para comprar. Mesmo com ideia prévia do que se pretendia comprar, ao chegar à gôndola o consumidor era (e ainda é) exposto a similares de outras marcas, e a novas opções. Os produtos colocados na prateleira à altura dos olhos sempre tiveram reconhecida vantagem — daí o interesse das marcas de serem expostas aí. Na era digital, a compra pela internet tem a mesma dinâmica, mas ao invés de produtos expostos na gôndola à altura dos olhos, o que as marcas querem é aparecer em destaque e na primeira posição nos resultados de pesquisa.

A apresentação de marcas e produtos, na internet, não é aleatória. Ela é determinada, também, pelos termos de busca (palavra-chave) definidos pelo anunciante – que entra em uma espécie de leilão e paga ao buscador para garantir seu destaque no resultado de buscas dos consumidores. Não é raro, contudo, que o termo de busca mais eficiente seja uma expressão (palavra-chave) que integra a marca do concorrente.

Para ilustrar: um anunciante de bebidas pode associar a palavra “coca”, “cola” ou mesmo “coca-cola” ao seu anúncio, de modo que todas as vezes em que um consumidor buscar por esses termos, a ferramenta retornará, com destaque no resultado, o anúncio da bebida desse específico anunciante, e não necessariamente o da mundialmente conhecida Coca-Cola. O anunciante, nesse caso, não utiliza a marca Coca-Cola com sua grafia própria, ou cores, e nem mesmo exibe a marca famosa. Não pretende enganar o consumidor — quer apenas ter a oportunidade de ofertar a sua bebida, como uma alternativa, a alguém que deseja um refrigerante.

A palavra que integra uma marca é chamada tecnicamente de elemento nominativo de marca. A legislação sobre marca, de 1996, não tratou da questão do uso do elemento nominativo como palavra-chave em buscadores. Como não temos uma norma específica, nem regulação complementar madura e detalhada, essas questões são frequentemente levadas à Justiça, que também leva um tempo para desenvolver e analisar os argumentos e as posições, e pode ter decisões divergentes.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) já analisou uma série de casos semelhantes, e entendeu que é ilegal utilizar, como palavra-chave de busca, o elemento nominativo de marca alheia. Para a Justiça paulista, essa prática configura violação de direito de marca e desvio de clientela (concorrência desleal).

Embora o tribunal tenha até criado um enunciado para uniformizar os julgamentos desse mesmo assunto, vedando o uso de elemento nominativo de marca alheia como termo de busca, o assunto voltou a ser analisado sob outro ponto de vista, por alguns juízes de primeiro grau, e com fundamentos muito interessantes e consistentes. Novas sentenças, que ainda devem ser reanalisadas pelo TJ-SP, têm reconhecido não haver violação nesses casos, permitindo que anunciantes associem palavras-chave de busca a seus produtos, mesmo que sejam elementos nominativos de marca alheia.

Essas decisões têm reconhecido que a associação de palavras-chave não tem por fim gerar confusão, nem se apoderar da identidade visual ou de produto do concorrente, mas apenas buscam atrair a atenção do consumidor potencialmente interessado, oferecendo um produto alternativo. As sentenças têm reconhecido que há transparência, já que a apresentação da marca concorrente ou do produto vem antecedida da expressão “anúncio”. Não haveria nem deslealdade, nem apropriação da marca de terceiro.

Em uma de suas sentenças, o juiz Luis Felipe Ferrari Bedendi, do TJ de São Paulo, faz referência ao posicionamento do Tribunal de Justiça da União Europeia, que — segundo ele — “decidiu, na interpretação unificadora do direito comunitário da propriedade industrial, pela regularidade da prática, por considerar inexistir violação à marca ou concorrência desleal, ausentes tentativa de confusão, imitação, degradação ou diluição da marca chamariz da pesquisa”.

De qualquer modo, ainda que seja admitido por um conjunto de sentenças de primeiro grau, e por decisões isoladas de outros tribunais, é muito importante que esse tema seja consolidado de maneira uniforme — porque o risco maior para um ambiente concorrencial é a diferença de tratamento entre os anunciantes. É fundamental, nesse contexto, garantir um ambiente digital seguro, com regras uniformes, e a colaboração do Judiciário é fundamental neste momento — e espera-se que possa servir de base para o desenvolvimento regulatório.

A maneira de comprar e de escolher os produtos mudou, na era digital. Porém, as disputas por visibilidade das marcas e dos produtos não mudou: continua acirrada. Também não mudou o objetivo comum e constitucional de fomentar um ambiente de concorrência livre e justa. Para isso, é indispensável a definição de regras uniformes. O Judiciário tem contribuído com análises ricas e profundas, mas uma regulação séria e alinhada com os valores constitucionais é um caminho necessário, neste tema, e em outros, no ambiente digital.

Saulo Stefanone Alle é especialista em mídia e publicidade do Peixoto e Cury Advogados, professor e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).

 

Fonte: ConJur


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