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Ida de Moro para administradora judicial da Odebrecht levanta discussão ética

 

CARTA CORINGA

Ida de Moro para administradora judicial da Odebrecht levanta discussão ética

Por Rafa Santos

Em pleno domingo de eleição, o ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro decidiu atualizar seu Linkedin  — rede social voltada para o mercado de trabalho — informando que assumiria um cargo na consultoria norte-americana Alvarez and Marsal.

O ex-juiz da “lava jato” irá atuar na área de Disputas e Investigações. A empresa-norte-americana é a administradora judicial da Odebrecht, uma das companhias mais afetadas pelo consórcio de Curitiba.

A consultoria norte-americana também faz assessoria financeira na recuperação da Sete Brasil, além de ter sido contratada pela Queiroz Galvão para reestruturação do grupo. Todas essas empresas estão em situação econômica delicada desde que foram devassadas pela “lava jato”.

Conforme publicado na revista Época, o Conselho Federal da OAB irá notificar o agora advogado para que ele preste esclarecimentos sobre a sua nova função. Por meio das redes sociais, Moro disse que aceitou o emprego para ajudar as empresas “a fazer coisa certa, com políticas de integridade e anticorrupção”.

Recentemente, a entidade negou pedido do Ministério das Relações Exteriores para afrouxar as regras para atuação de advogados no país. Os brasileiros também têm uma série de restrições para atuar em diferentes países. Nos Estados Unidos, por exemplo, o estrangeiro precisa comprovar proficiência em inglês e experiência em países com a mesma tradição jurídica da Inglaterra — Common Law, caso dos Estados Unidos, por exemplo.

Para o jurista Lenio Streck, a contratação é problemática. “Se é fato que se trata de empresa que está ligada à recuperação judicial da Odebrecht, então temos aí mais uma jabuticaba. Moro julgou processos da Odebrecht, e a consequência foi a quebra da empresa, que resulta em recuperação judicial — e depois ele fará consultoria como advogado (ou o nome que se dê à função que exercerá) à empresa que cuidará da Odebrecht? Parece algo insólito e que somente acontece em um país em que determinadas pessoas têm a seu favor o ‘fator teflon’: nada gruda. O Brasil não é para amadores”, argumenta.

O ex-ministro e candidato à presidência em 2018 pelo PDT, Ciro Gomes, também se manifestou. “Malandrão! Sergio Moro agora é sócio-diretor da empresa que trabalha na defesa da Odebrecht, empreiteira investigada pela lava jato. Mais uma vez, Moro fica sob a luz difusa do abajur lilás com discursos de integridade e anticorrupção. O povo brasileiro está atento!”, escreveu o político.

Daniel Gerber, criminalista com foco em gestão de crises e compliance político e empresarial enxerga violações éticas na ida de Moro para administradora da Odebrecht.  “Isso porque, enquanto magistrado, Moro teve acesso a inúmeros elementos de prova, até hoje não publicizados. E que, sem dúvida alguma, podem estar motivando novas linhas investigativas que, para o público em geral, permanecem em sigilo. Com base no acesso a tais documentos, poderá estruturar para Odebrecht, inúmeras linhas defensivas de compliance que jamais seriam possíveis em outro cenário”, explica.

Para João Batista Augusto Junior, criminalista sócio do Bialski Advogados, a situação sugere conflito. “A situação é inusitada, pois ele atuou como juiz em processos envolvendo a citada empresa e seus dirigentes. A questão é polêmica e deve ser perscrutada de perto pela OAB, já que o ex-juiz é, atualmente, advogado”, argumenta.

O advogado Eduardo Carnelós é irônico ao destacar a “versatilidade” do ex-juiz. “Depois de integrar como ministro o governo que ajudou a eleger (ainda quando era juiz), já foi contratado para dar pareceres, inclusive ‘em um litígio transnacional, que se estabelece prioritariamente em Londres’, conforme nota do escritório que defende os interesses do contratante”, afirma.

Carnelós também questiona os possíveis modos de atuação de Moro na iniciativa privada. “Resta saber se ele usará suas azeitadas relações com os órgãos policiais e do MPF para prestar serviços ao seu novo empregador, na defesa dos interesses das empresas clientes dele… Quem ainda quiser falar em juiz que combate corrupção ou qualquer outro tipo de crime, lembre-se de que a fama assim adquirida pode render muito mais do que popularidade e falsa imagem de herói; pode ser também muito rentável em pecúnia”, resume.

Por fim, o constitucionalista Adib Abdouni lembra que “enquanto magistrado, o ex-juiz federal demonstrou pouco apreço em garantir a sobrevivência da empresa envolvida em corrupção, preocupando-se mais com o encarceramento a qualquer custo de seus diretores, sem velar pela adoção de mecanismos mais seguros de preservação da companhia e da continuidade de suas atividades, o que desaguou em um inevitável e complexo processo de recuperação judicial”.

Para Mario Oliveira, advogado criminalista e presidente nacional da Comissão de Prerrogativas da Abracrim, “a passagem do Moro pelo Ministério da Justiça já havia comprovado tudo que os defensores dos réus da ‘lava jato’ já haviam levantado contra ele”. “Agora, um dos maiores inimigos da advocacia criminal vai prestar serviço para aqueles cujas cabeças foram alvo de sua espada, quando na condição de juiz”.


Rafa Santos é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2020, 18h02

Fonte: ConJur 


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