Contratos de concessão e seu potencial fomentador na transição energética
14 de agosto de 2024, 16h21
Quando Charles Darwin embarcou no HMS Beagle para fazer parte da expedição topográfica que desembarcou em diversos pontos da América do Sul, Austrália e África, ele não tinha ideia do impacto que suas pesquisas poderiam trazer na forma como a humanidade concebe e enxerga os fenômenos naturais. A publicação de A Origem das Espécies trouxe ao mundo o conceito de que, ao longo do tempo, as espécies se adaptam aos novos ambientes como forma de garantir sua sobrevivência e perpetuação.
Essa necessidade de constante adaptação às novas condições é um dos elementos que impulsiona a busca por novas soluções para situações potencialmente problemáticas. Em algum ponto do passado, o homem entendeu que o auxílio da força de animais permitia realizar trabalhos de forma mais qualificada; quando descobriu o fogo, não precisou mais temer as noites frias e escuras e pôde, a partir do calor, produzir novos materiais. Com o passar do tempo, o fogo se mostrou uma fonte de calor imprescindível para movimentar máquinas que tornaram seu trabalho mais rápido e eficiente.
A humanidade foi evoluindo e as necessidades, por consequência, mudaram, o que impôs a constante busca por novas formas de obter energia para realização de atividades cotidianas. Encurtando em alguns milhares de anos o caminho, entre a era do fogo e a contemporânea, passando pela Revolução Industrial, o mundo já viveu diversas transições energéticas e urge por uma ainda mais séria, que possibilite a drástica substituição das fontes de energia fósseis — principais responsáveis pelo aquecimento global em razão da emissão de gás carbônico — por fontes renováveis e com menores impactos ao meio ambiente.
Como toda mudança de comportamento enfrenta barreiras, adotar novas medidas exige também uma dose de conhecimento sobre o comportamento humano, especialmente os mecanismos econômicos que estimulam as mudanças: indivíduos respondem a incentivos e somente se disporão a adotar novas medidas se elas tiverem o potencial de trazer benefícios palpáveis (e rentáveis).
Até este ponto da leitura, a primeira — e óbvia — solução que deve ter passado pela sua cabeça deve ter sido que uma forma de estimular essa nova transição seria aumentar os incentivos para a indústria automobilística: ora, aumentando o número de veículos elétricos, diminui, por consequência, o número de veículos a combustão. Se dermos um passo para trás, vamos enxergar que a ideia de “transição energética” envolve — e exige — muito mais do que isso para trazer os benefícios esperados.
Incentivos e concessões
O governo federal lançou em 2024 o “Plano Nacional de Transição Energética”, que envolve uma série de medidas e programas de incentivos, em diversos setores da economia, que objetivam criar um ambiente fomentador à busca por alternativas para a substituição dos combustíveis fósseis. Recentemente o Ministério dos Transportes publicou a Portaria nº 689/2024, trazendo critérios para enquadramento de projetos de investimento como prioritários para emissão de debêntures incentivadas e de infraestrutura — um deles é justamente a previsão de investimentos em “mitigação de emissões de gases de efeito estufa, transição energética ou implantação e adequação de infraestrutura para resiliência climática, com vistas à adaptação às mudanças do clima”.
Ampliando ainda mais a visão, é possível verificar esse esforço em outros setores como forma de contribuir nessa balança. No estado de São Paulo, os contratos de concessões de rodovias mais recentemente publicados pela Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo) colocam como uma das obrigações da concessionária o dever de inventariar todos os ativos geradores de gases de efeito estufa (GEE) e apresentar a relação junto ao Relatório Anual de Desempenho Ambiental.
São previstas, ainda, medidas de compensação da emissão de gases nas atividades de operação do sistema, como a utilização de veículos híbridos/elétricos, incorporação de ações ambientais mitigadoras, dentre outras, e a obrigação de obter a cada cinco anos certificado de neutralização da emissão de GEE nas operações prestadas.
A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) tem o programa Aeroportos Sustentáveis, um instrumento de incentivo não-regulatório que visa incentivar e disseminar boas práticas na gestão ambiental de aeroportos, com o reconhecimento de iniciativas voltadas à implementação de mecanismos mais sustentáveis nas operações aéreas.
Em 2023, o Aeroporto de Confins foi reconhecido como o primeiro aeroporto neutro em emissões de gases de efeito estufa no país, graças à adoção de medidas que vão desde a substituição de lâmpadas e sistemas de ar-condicionado até a substituição da fonte de energia que alimenta os aviões na pista.
Incentivos e metas
Até agora só falamos de obrigações previstas em contrato, para as quais existe uma penalidade em caso de descumprimento; e em programas voluntários, como o promovido pela Anac, que não traz um reflexo direto no contrato de concessão. Mas essa pauta pode ser estendida para fomentar o estudo de projetos que prevejam a possibilidade de os contratos anteverem mecanismos de incentivos para as concessionárias que atinjam determinadas metas de redução de emissão de gases.
Isso já é uma realidade em determinadas formas de contratação com a administração pública: a “nova” Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), por exemplo, prevê no artigo 144 a possibilidade de incluir nas contratações de obras, fornecimentos e serviços remunerações variáveis vinculadas ao desempenho do contratado, baseados em metas, critérios de sustentabilidade ambiental.
As medidas vislumbradas até o momento ainda são incipientes e o caminho para essa nova transição energética ainda é longo; contudo, a adoção de mecanismos arrojados poderá trazer uma solução para o tema de forma mais célere. Neste cenário, urge a estruturação de projetos que prevejam o fomento aos particulares para adotarem medidas, no âmbito da execução de contratos públicos, que gerem externalidades positivas aptas a ajudar na roda da nova transição energética.