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A propaganda com Elis e suas implicações jurídicas

A propaganda com Elis e suas implicações jurídicas

Por Hugo Leonardo Lippi Areas

06/08/2023 | 03h00

A polêmica propaganda da Volkswagen em que contracenam a cantora Maria Rita e a representação virtual de sua mãe, a cantora Elis Regina, falecida em 1982, ganhou novos contornos. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) deu abertura a uma representação ética contra a campanha publicitária, motivada pela queixa de consumidores que questionam, em linhas gerais, se trazer uma pessoa falecida de volta à vida pelo uso da inteligência artificial seria conduta ética e aceitável.

A aparição post mortem de pessoas famosas não é exclusividade da criticada campanha publicitária. Há pouco mais de uma década, através de um holograma, o rapper americano Tupac Shakur, que morreu em 1996, dividiu os palcos do festival de música norte-americano Coachella com os também rappers Snopp Dog e Dr. Dre. O mesmo ocorreu com o cantor Michael Jackson, retornando aos palcos no Billboard Music Awards, no ano de 2014, cinco anos após a sua morte.

A presença dos cantores norte-americanos nos palcos, por intermédio da holografia, pareceu servir de inspiração para novas aparições póstumas, agora com uma tecnologia mais avançada: a inteligência artificial. A combinação de vídeos, imagens e vozes pelo uso de algoritmos é mecanismo similar àquele utilizado nas deepfakes, que geralmente são utilizadas para uma manipulação falsa com conteúdo nocivo – diferentemente do que ocorre na campanha publicitária da Volks.

A par das críticas direcionadas ao comercial, o fato é que a sociedade contemporânea vivencia um panorama extremamente complexo, sobretudo em razão do avanço tecnológico em suas mais diversas facetas. Numa esfumaçada fronteira entre o real e o virtual, em aspectos jurídicos, o que todas estas aparições levam em comum é a exploração dos direitos da personalidade, a exemplo da imagem, da voz, do nome e até mesmo dos direitos autorais.

Uma das principais características dos direitos da personalidade é a sua intransmissibilidade, conforme preceitua o artigo 11 do Código Civil de 2002. Apesar desta marcante característica, é possível notar, sobretudo no caso de pessoas famosas, que os direitos da personalidade acabam por gerar reflexos que transcendem a vida. Da esfera protetiva ao aproveitamento econômico dos bens da personalidade, várias são as nuances que envolvem a tutela post mortem.

A solução buscada pelo legislador para o tratamento dos direitos da personalidade após a morte, ao editar os artigos 12 e 20 do Código Civil de 2002, foi a de conferir legitimidade para tutela aos parentes mais próximos.

Mas isso parece ser insuficiente para os dias atuais, especialmente por essas regras estarem associadas especificamente a uma tutela protetiva, abstraindo-se da possibilidade de exploração econômica dos mencionados direitos, como é o caso da propaganda da Volkswagen.

Considerando a grandeza da companhia, a inequívoca fama de Elis Regina e a natureza comercial da publicidade, pode-se supor que a contratação se tenha dado a título oneroso e com largas cifras. Neste contexto, caberia também aos familiares o uso, gozo e fruição da imagem e da voz e, ainda, da gestão dos reflexos patrimoniais deixados pelos bens da personalidade da falecida cantora?

Em aspectos práticos, é preciso compreender que os direitos da personalidade têm a aptidão de irradiar efeitos econômicos e jurídicos a serem tutelados pelo direito sucessório, desde os direitos autorais dos mais diversos cantores, com suas músicas ainda em plataformas digitais, mesmo após o seu falecimento, até a póstuma aparição – como ocorreu com Elis Regina no anúncio publicitário.

Ocasiões como estas, que geram caloroso debate, permitem visualizar as dificuldades que as nuances da sociedade contemporânea levam ao Direito e àqueles que por ele labutam, revelando que a busca por respostas às situações fáticas do cotidiano merece especial atenção.

*

ADVOGADO, MESTRANDO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS PELA UNICESUMAR, ESPECIALISTA EM GESTÃO EMPRESARIAL PELA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS E EM PROCESSO CIVIL, DIREITO CIVIL E DIREITO DO TRABALHO PELA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

 

Fonte: Estadão


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