Aumento do IOF sobre operações de risco sacado preocupa empresas
Para especialistas, a MP impacta a rotina das empresas com a ampliação de tributação sobre operações essenciais; como resultado, mercado deve ficar dependente das bancos
A nova Medida Provisória – que eleva o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre diversas operações, incluindo as operações de risco sacado – anunciada pelo governo federal nesta quarta-feira (11) preocupa o mercado. Isso porque a prática comum de antecipação de recebíveis, vista como essencial na rotina de muitas empresas, pode ficar mais cara e pesar nas contas.
Apesar de o governo ter recuado parcialmente, retirando a cobrança fixa de 0,95% prevista inicialmente, a manutenção da alíquota diária sobre essas operações chamou atenção de especialistas ouvidos pelo InfoMoney, que apontam impactos diretos no custo de capital das empresas e questionam a legalidade da cobrança.
O que é o risco sacado?
O risco sacado é uma operação por meio da qual uma empresa compradora solicita a um banco que antecipe o pagamento de seus fornecedores. Quando o prazo acordado chega, a empresa paga o banco, com juros. Essa prática é amplamente usada para dar fôlego ao fluxo de caixa tanto de grandes companhias quanto de pequenos fornecedores.
A proposta inicial do governo previa que essas operações passariam a ser tributadas com uma alíquota fixa de 0,95% mais 0,0082% ao dia. Com o novo decreto, o governo recuou e manteve apenas a cobrança diária, além de reduzir a alíquota fixa para 0,38% para operações de crédito convencionais entre pessoas jurídicas. A expectativa oficial é que as mudanças tragam uma arrecadação extra entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões em 2025.
Empresas no centro do impacto
“Imagine uma empresa que vende produtos para o varejo e, em vez de esperar 90 dias para receber de seu cliente, antecipa esse valor com ajuda de uma instituição financeira, sendo que essas operações eram tratadas como comerciais e não financeiras e agora tendo uma incidência do IOF mudando tudo”, afirma Arthur Mendes Lobo, advogado do escritório Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados.
Segundo ele, o governo pode ter avançado além dos limites constitucionais ao alterar o conceito de operação de crédito por decreto, sem aprovação legislativa. “Em matéria tributária, só a lei pode criar ou ampliar hipóteses de incidência de tributos. O decreto pode ser questionado por violar a legalidade estrita e a segurança jurídica.”
Segundo Alamy Candido, tributarista e ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo e sócio do escritório Cândido Martins e Cukier, o impacto maior dessa medida recai sobre as empresas, já que o risco sacado é amplamente utilizado no mercado corporativo. “Além disso, as empresas já vinham enfrentando resistência da Receita Federal, que vinha dificultando a compensação de créditos, mas agora assiste também a ampliação da tributação sobre operações essenciais para o dia a dia das companhias”, afirma.
Para João Eduardo Diamantino, tributarista do Diamantino Advogados Associados, a MP pode limitar também o acesso das empresas ao mercado de capitais. “Ao tributar papéis como LCA e CRA, antes isentos, e encarecer o risco sacado, a medida afasta investidores desses títulos, diminui a oferta de crédito e pressiona os juros. O resultado é um mercado mais dependente dos bancos”, diz.
Mercado insatisfeito e possível judicialização
Apesar da redução parcial da alíquota, o setor produtivo segue descontente. “O novo decreto elimina o custo fixo inicial de quase 1%, o que alivia o caixa das empresas. Mas o IOF diário permanece, o que ainda representa um aumento de custo sobre operações que antes não eram tributadas”, destaca Marcio Alabarce, sócio do Canedo, Costa, Pereira e Alabarce Advogados.
A possibilidade de judicialização é levantada também por Igor Nascimento Souza, tributarista do Souza Okawa. “O governo alega uma finalidade arrecadatória, mas o IOF é um imposto de natureza extrafiscal, que deveria servir para controlar a oferta de crédito ou o consumo, não para arrecadar. Além disso, operações sem coobrigação — quando a empresa que vende o recebível não mantém responsabilidade sobre o pagamento — não deveriam ser enquadradas como operações de crédito. O tema certamente será discutido nos tribunais.”
Perspectiva
O mercado aguarda os próximos passos do Congresso Nacional, que pode rejeitar ou modificar a Medida Provisória. Enquanto isso, empresas e entidades avaliam levar a disputa aos tribunais, defendendo que a antecipação de recebíveis sem coobrigação não configura operação de crédito e, portanto, não pode ser tributada pelo IOF.
O resultado desse embate pode moldar o custo de crédito para as empresas nos próximos anos, especialmente em setores com margens apertadas e grande volume de transações financiadas.
