Vacinação de crianças contra Covid é obrigatória? Ex pode vetar? Aluno pode ficar sem aula? Veja tira-dúvidas

Vacinação de crianças contra Covid é obrigatória? Ex pode vetar? Aluno pode ficar sem aula? Veja tira-dúvidas

“Não tem como ela (a vacina) estar no PNI ainda, porque não temos vacina suficiente e porque não temos o esquema vacinal definido. Ela entrará no PNI quando soubermos qual é o esquema vacinal – serão duas, três doses? Também pode ser que ela entre, mas sem ser (apontada pelo ministério como) obrigatória, como é o caso da vacina da gripe”, explica Daniel Dourado, médico e advogado do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP.

A epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do PNI, diz que não foi a obrigatoriedade que fez com que o PNI se tornasse um dos programas de vacinação mais exitosos do mundo, mas sim a capacidade do SUS em conseguir levar a vacinação a todo o cidadão brasileiro.

Não foi a coerção ou sanção que garantiu a adesão da população às ações de vacinação, mas sim uma comunicação eficiente que sempre esclareceu que vacinas salvam vidas”, afirma Domingues.

É justamente no tópico “comunicação eficiente” que especialistas criticam Ministério da Saúde e do presidente Jair Bolsonaro, que insistem em apontar que “vacinar as crianças é uma decisão dos pais e responsáveis” e ainda sugerem que busquem recomendação prévia de um médico.

3. Quais os estatutos e leis brasileiras tratam deste tema e o que dizem?

Os especialistas ouvidos pelo g1 destacam os seguintes marcos legais:

  • A Constituição Federal

O artigo 196 estabelece que saúde é direito de todos e um dever do Estado. Já o artigo 227 diz que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde”.

  • A Lei 6259/1975, que cria o PNI

O programa define quais vacinas devem fazer parte do calendário nacional de vacinação do Ministério da Saúde.

  • O ECA (Lei nº 8.069)

O artigo 14 prevê que é “obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Essas autoridades sanitárias são os órgãos responsáveis pelo sistema de saúde da União, Estados e Municípios, ou seja, os ministérios e as secretarias da Saúde.

  • A Convenção da Unicef sobre os Direitos da Criança, de 1990

Maristela Basso, professora de Direito da USP, explica que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças da ONU/Unicef, ratificada por mais de 196 países (incluindo o Brasil, desde 1990), estabelece que todas as crianças têm direito à saúde. Segundo ela, o país que ratificou essa convenção tem a obrigação de garantir o direito à saúde das crianças.

“O ECA é inspirado nesse instrumento. Ele mantém relações estreitas com essa convecção que o antecede e lhe dá fundamento”, diz.

“Violar a Constituição, a Convenção da ONU e o ECA acarreta tanto responsabilidade para o Estado quanto para os pais e responsáveis”, explica Maristela Basso, professora de Direito da USP.

4. A obrigatoriedade da vacina está em debate em instâncias superiores da Justiça brasileira?

No fim de 2020, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a obrigatoriedade da vacinação é constitucional. Com a decisão, estados, Distrito Federal e municípios têm autonomia para estabelecer regras para a imunização.

“Isso não significa que exista a possibilidade de vacinação forçada”, ressalta o defensor público Thales Treiger.

Os municípios podem criar restrições para pessoas não vacinadas, como por exemplo, a proibição de não vacinados irem à cinemas, compareçam a shoppings, bancos, lojas ou até acesse o transporte público”, avalia o defensor público Thales Treiger.

5. Um estado/município pode obrigar a vacinação infantil contra Covid?

Sim. A lei 13.979, sancionada em 2020, permite que os governos locais tracem medidas contra a Covid-19, incluindo a vacinação, mesmo sem aprovação do governo federal.

“Tivemos esse reconhecimento no passado no Supremo Tribunal Federal. Os governos locais podem criar regras. Partindo desse prisma, estados e municípios têm esses poderes. Se estiver dentro do programa, eu entendo que esses gestores podem fazer a exigência”, diz o advogado Renato Almada, sócio do Chiarottino e Nicoletti Advogados, especialista em Direito de Família.

Em outubro do ano passado, por exemplo, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, sancionou uma lei obrigando a vacinação contra Covid-19 para todos os funcionários públicos do estado. Em São Paulo, o governador João Doria tomou a mesma decisão em janeiro de 2022.

6. Os pais estão sujeitos a quais sanções e penalidades caso não vacinem os filhos?

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê pena de multa de três a vinte salários de referência (podendo ser o dobro, em caso de reincidência), quando os genitores descumprem deveres inerentes ao Poder Familiar.

O professor de Direito Constitucional da FGV-SP, Roberto Dias, explica que, quando o imunizante é recomendado pelas autoridades sanitárias, o ECA estabelece que o descumprimento dessa obrigação por parte dos pais ou responsáveis pela criança pode resultar na aplicação dessa multa.

“Nos casos de descumprimentos, o Conselho Tutelar e o Ministério Público podem ser acionados para fazer cumprir essa regra. Se, mesmo com a multa, os pais ou responsáveis não levarem a criança para ser vacinada, é possível a instauração de processo judicial por iniciativa do MP para exigir que isso ocorra”, ressalta Dias.

Nessa situação, uma das possíveis penas é a suspensão do poder familiar e, em casos extremos, a perda desse poder. No entanto, Dias avalia que esta última é uma medida “mais drástica” e “muito improvável”. “Não vi acontecer até o momento”, acrescenta.

7. Qual o papel dos pais e responsáveis quando o assunto é a imunização dos menores de idade?

Segundo o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, “cabe aos pais no exercício do poder familiar efetivar a vacinação de seus(suas) filhos(as) menores de 12 anos, não lhes cabendo, sob o pretexto de invocação de convicção filosófica ou de outra natureza, colocar em risco a saúde das crianças“.

“Quem tem a tutela e guarda da criança tem a obrigação de levá-la para vacinar. A responsabilidade dos pais é levar a criança”, reforça Daniel Dourado.

8. Um dos pais diz SIM para a vacina e o outro diz NÃO. O que fazer nesse caso?

Em Campo Grande, o pai de uma menina de 9 anos levou a filha para se vacinar contra a Covid-19 escondido da mãe. De acordo com o homem, ele e a ex-esposa têm a guarda compartilhada da criança. A mãe da criança é contrária à vacinação. Ao contar sobre a imunização, ele foi ameaçado de nunca mais ver a menina.

Carolina Bassetti, advogada especialista em direito de família, explica que, além da vacinação ser um direito previsto no ECA, a lei ainda estabelece que tanto nos casos de guarda compartilhada, quanto de unilateral, pai ou mãe tem autorização para vacinar os filhos mesmo sem o consentimento da outra parte.

“O genitor que desejar vacinar seu filho não precisa pedir autorização judicial para tanto, ainda que haja conflito entre os genitores, e mesmo que se faça necessário acionar a Justiça a regra é que se tenha uma decisão a favor, pois o Judiciário Brasileiro é pró-vacina”, diz Bassetti.

Daniel Dourado concorda e acredita que, em uma briga na Justiça, provavelmente o responsável pró-vacina não perderá a guarda. “Se um dos genitores for contra, eles podem até brigar na justiça e quem vai definir é o juiz. É improvável que esse genitor [que vacinou] perca a guarda.”

9. Uma criança pode optar por não se vacinar, como citou Queiroga?

Em conversa com jornalistas na última terça-feira (8), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que crianças precisam ser convencidas a se vacinar. “Ninguém vai pegar uma criança à força e ir lá aplicar uma vacina com uma criança berrando”, disse.

O infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, discorda da fala do ministro e diz que os pequenos não têm autonomia para tal decisão.

“Faz parte da responsabilidade dos pais propiciar as ferramentas de promoção de saúde e a vacina é uma delas. As crianças devem ser vacinadas a despeito delas gostarem ou não. O momento da vacinação deve ser o mais acolhedor possível, claro. Mas não se pode negar o benefício por causa de alguma dificuldade de aceitação“, afirma Kfouri.

10. Alunos poderão ser impedidos de frequentar as aulas caso não sejam vacinados?

Segundo o entendimento do CNPG, NÃO.

A nota técnica divulgada pelo Conselho diz que, ainda que escolas de todo o país, públicas ou privadas exijam a carteira de vacinação completa, o direito de matrícula, rematrícula e frequência no ambiente escolar não poderá ser negado àqueles que não cumprirem tal exigência. O mesmo vale para a vacina contra a Covid-19.

Nesses casos de descumprimento, o CNPG ressalta que as instituições de ensino devem providenciar notificação aos órgãos competentes, em especial ao Conselho Tutelar, mas que, em nenhuma hipótese, isso poderá acarretar na ”negativa da matrícula ou [na] proibição de frequência à escola, em razão do caráter fundamental do direito à educação”.


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