Quais os desafios para a proliferação Mercado de carbono?

Mercado de carbono no Brasil: quais são os desafios legais para a proliferação desse negócio?

A expectativa é que neste ano o mercado de créditos de carbono seja regulamentado pelo Congresso Nacional.

14/07/2023

Por Luciano Teixeira

Data de publicação: 14/07/2023

Já imaginou uma empresa ou startup focada na crise climática, em evitar as emissões de carbono? Ou aquele que analisa os riscos ambientais, sociais e de governança de cada fornecedor? Já pensou em uma startup que ajude a reflorestar biomassas degradadas como a Mata Atlântica e a Amazônia brasileira? Bom, esses são alguns exemplos de empresas que trabalham com negócios verdes no Brasil, mercado que vem crescendo naquele país e no mundo.

De acordo com o Climate Tech Report , desde 2010, o número de empresas de tecnologia que enfrentam a crise climática quadruplicou. 44.595 foram identificados em todo o mundo no ano passado. Globalmente, existem 160 unicórnios de tecnologia climática, empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão. Em 2021, as empresas do setor captaram quase 110.511,7 milhões de dólares (531,7 bilhões de reais em 14 de julho) em investimentos.

Um estudo da consultoria PwC observa que o foco acentuado em iniciativas ESG em mercados privados, juntamente com regulamentações emergentes, como o Regulamento de  Divulgação de Finanças Sustentáveis da União Europeia , estão alimentando o crescimento e levando muitas empresas e investidores a mudar suas estratégias. Milhares se comprometeram publicamente com emissões líquidas zero e estabeleceram metas com base na ciência ou buscaram demonstrar compromissos mais amplos com a sociedade por meio da certificação como empresas focadas na sustentabilidade. Além disso, megafundos multibilionários estão sendo cada vez mais direcionados para a tecnologia climática.

O Ministério da Economia do Brasil estimou que o país pode gerar mais de US$ 100 bilhões (479 bilhões de reais) com o mercado de carbono. O país tem um enorme potencial, pois abriga a maior biodiversidade do planeta: possui a maior floresta do mundo, inúmeros tipos de biomas e grande abundância de água. Ao mesmo tempo, o agronegócio, que no passado representava um risco ao meio ambiente, busca cada vez mais adotar práticas menos agressivas e em harmonia com a preservação do meio ambiente.

Um movimento que incentiva as micro e pequenas empresas brasileiras a buscarem cada vez mais a valorização dos produtos naturais e a necessidade de desenvolver uma estrutura de logística reversa. Por exemplo, cada vez mais catadores, sucateiros e indústrias de reciclagem estão se juntando a essa cadeia. E começa também a proliferar a necessidade de uma maior reutilização de resíduos industriais e de materiais alternativos, a revalorização dos materiais naturais para a construção, reduzindo o consumo de energia a longo prazo da envolvente.

Com isso, cuidar do meio ambiente deixa de ser uma fonte cara de gastos e passa a ser uma importante fonte de lucro, o que abre espaço para ideias disruptivas e pessoas e empreendedores comprometidos com o desenvolvimento de soluções para superar os problemas ambientais.

“A emergência climática obrigou a uma corrida por soluções efetivas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, aproveitando a força dos negócios verdes e do mercado de carbono como um todo. Ao contrário do resto do planeta, no Brasil a principal fonte antrópica de CO2 não é o consumo de energia, mas atividades relacionadas ao uso da terra, principalmente a queima de árvores”, afirma Patricia Iglecias, sócia do Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados.

Nesse cenário, o que é um problema tem sido visto por muitos como uma oportunidade e é por isso que empresas e organizações não governamentais têm explorado o potencial econômico de proteger a biodiversidade brasileira por meio de soluções naturais para sequestro e armazenamento de carbono.

A contribuição do direito

 

O mercado jurídico sabe da importância desse tema e já se prepara há algum tempo para essas soluções e mudanças que serão implementadas nos próximos anos. Um mercado em crescimento e cercado de exigências legais, onde a lei pode e deve apoiar o desenvolvimento de negócios verdes.

“As principais demandas giram em torno de questões relacionadas à propriedade da terra e à validade e regularidade dos títulos, obstáculos que impedem muitos projetos desde o início. A insegurança jurídica quanto à posse de terras por estrangeiros, que permanece indefinida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e a baixa regularização junto ao Cadastro Ambiental Rural, o CAR, também são preocupações constantes”, analisa Rogelio Gaspari Coelho, sócio do área tributária de Lino Dias Coelho Advogados.

Para o advogado, a natureza jurídica e a tributação dos créditos de carbono também levantam diversos questionamentos, pois ainda não foram tratados de maneira uniforme pela legislação. Também há discussão sobre a emissão de créditos de carbono em áreas indígenas e dúvidas sobre a incidência do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) em áreas em regeneração e manejo florestal.

“Nosso papel é garantir que a criação do ativo ambiental atenda às normas nacionais e internacionais que regem a redução de emissões de carbono, além dos aspectos de compliance, proporcionando assim a segurança que o mercado espera”, avalia Patrícia Iglecias.

Anelise Ambiel Dagostin, advogada do Medina Guimarães Advogados e especialista em Direito Ambiental e Agronegócio pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná, explica que nas últimas décadas muito se tem falado sobre a necessidade de observar práticas alinhadas e comprometidas com as questões ambientais . , práticas que deixaram de ser secundárias e passaram a ter papel de destaque no mundo moderno, principalmente no mundo dos negócios.

Segundo o especialista, todos os sujeitos envolvidos nos mais variados tipos de negócios devem observar obrigatoriamente sua responsabilidade na cadeia ambiental sustentável, visando à preservação do meio ambiente, que é o principal foco da sustentabilidade. Em sua avaliação, há grande potencial de obtenção de vantagens, como valorização da marca ou do serviço prestado, obtenção de incentivos econômicos e/ou fiscais e redução ou desoneração de custos gerais.

A falta de legislação para o setor

 

A expectativa é que o mercado de créditos de carbono seja regulamentado em 2023 pelo Congresso Nacional. Com isso, a tendência é que os negócios ambientais sejam cada vez mais explorados e que o mercado sustentável ganhe ainda mais força, tornando-se definitivamente relevante e interessante para investimentos dos setores público e privado.

Tramita no Parlamento o Projeto de Lei 528/21, que institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). A intenção é regulamentar a compra e venda de créditos de carbono no país. Essa normalização será quantificada em toneladas de gases e convertida em valores, conforme regras previstas na proposta. Os títulos gerados serão negociados com governos, empresas ou pessoas físicas que tenham metas obrigatórias de redução de emissões de gases de efeito estufa, definidas por acordos internacionais.

Essa regulamentação está prevista na lei que instituiu a  Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187/09)  e é uma recomendação do Protocolo de Quioto, tratado internacional ratificado pelo Brasil que prevê a redução da concentração de gases de efeito estufa no planeta .

“A abordagem adequada das políticas climáticas é mais do que necessária para posicionar o Brasil como um país na vanguarda do desenvolvimento inteligente e estratégico”, afirma o autor do projeto em análise na Assembleia Legislativa, deputado Marcelo Ramos. Ele acredita que a regulamentação proposta garante a transparência das negociações de créditos de carbono no Brasil.

A norma, se aprovada, define pontos como natureza jurídica, registro, certificação e contabilização dos créditos de carbono. Também estabelece o prazo de cinco anos para o governo regulamentar o programa nacional obrigatório de compensação de emissões de GEE.

O texto prevê a criação de um mercado voluntário de créditos de carbono, que se destina à negociação com empresas ou governos que não tenham metas obrigatórias de redução de GEE, mas que desejem compensar o impacto ambiental de suas atividades. Essas transações no mercado voluntário estarão isentas de impostos como PIS, Cofins e CSLL.

Todos os projetos de redução de GEE e negociações de créditos de carbono serão registrados por sistema eletrônico, administrado pelo Instituto Nacional de Registro de Dados Climáticos (INRDC), órgão privado tutelado pelo Ministério da Economia.

Definir um quadro regulamentar

 

A proposta está a ser analisada pelas comissões de Desenvolvimento Económico, Indústria, Comércio e Serviços e também pelas comissões de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Finanças e Fiscalidade e Constituição e Justiça.

Paralelamente, o atual governo criou a  Secretaria de Desenvolvimento da Economia Verde, Descarbonização e Bioeconomia , vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. A intenção é implementar políticas públicas que estimulem e apoiem o desenvolvimento de negócios que gerem impacto social e ambiental e promovam o acesso público ao capital público e privado.

A definição de um marco regulatório sobre o assunto é fundamental e urgente, segundo especialistas. A 19ª edição do  Relatório Justiça em Números 2022 , elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, mostra o crescimento do número de ações judiciais relacionadas a questões ambientais. Esse tipo de demanda aumentou 10,4%, comparando 2021 com 2020.

Muitas dessas disputas questionam, por exemplo, as emissões de gases de efeito estufa decorrentes de autorizações ou licenças concedidas pelo próprio Poder Público, buscando, inclusive, definir os responsáveis por danos materiais e morais. Para advogados especializados na área, além das questões de emissões ou prestação de contas, haverá confrontos sobre a existência de créditos de carbono, sua validade, cadeia e processo de geração, sua natureza jurídica e até mesmo seu preço.

“Juntamente com a expectativa do surgimento de novos negócios, novos mercados, aplicação de aparatos tecnológicos e inovações reclamam a necessidade de respaldo político, científico e jurídico, o que dará origem a novas ações judiciais, atribuindo papel de grande importância ao Poder Judiciário , que, ao interpretar as leis, dará maior clareza em relação à forma como devem ser implementadas na sociedade”, avalia Thais Leonel , sócia ambiental do SFCB Advogados.

Para os entrevistados, as demandas também envolvem arranjos produtivos para financiar novas infraestruturas verdes.

“Viabilizar uma usina de hidrogênio verde, por exemplo, pressupõe reunir esforços, atores e recursos intensos, sofisticados e inusitados. O mesmo ocorre com a concessão de uma área para restauração florestal ou a adaptação de um processo produtivo a uma economia de baixo carbono. Cabe ao jurídico garantir estabilidade e previsibilidade de longo prazo para que os investimentos se concretizem e para este sofisticado empreendimento, nos setores regulatório, econômico, construtivo, industrial e operacional”, afirma Tatiana Cymbalista, sócia da Manesco Abogados .

Com a multiplicação de projetos nos próximos anos, será necessário entender o processo de certificação de créditos de carbono, as metodologias, quem são os certificadores e como são os processos de comercialização desses créditos. “Para destravar esse potencial de negócios e garantir a preservação ambiental subjacente, será necessário estabelecer um mercado de carbono regulado e regularizar a posse da terra, com digitalização e até mesmo com o uso de tecnologias como blockchain, que podem inaugurar uma nova etapa para o Brasil. como líder mundial em preservação ambiental e negócios sustentáveis, contribuindo muito para o crescimento do país”, avalia Rogério Gaspari Coelho .

 

Fonte: LexLatin 


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