Novos decretos do saneamento básico: o novo sempre vem

Novos decretos do saneamento básico: o novo sempre vem

Novos decretos trouxeram um lampejo de esperança à população que vive sem o acesso adequado do saneamento básico e itens de sobrevivência

Por DANIELLE FRANCO

Em um país onde quase metade da população não tem acesso a rede integrada de coleta de esgoto, qualquer mudança legislativa que toque neste tema pode acender as discussões mais acaloradas – o que tem sido a tônica desde 2020, com a publicação da Lei 14.026/2020, que atualizou o Marco Legal do Saneamento básico e institucionalizou como meta a universalização do acesso aos serviços de água potável (99%) e saneamento (90%) à população até o final de 2033 (artigo 11-B da Lei 11.445/2007).

A nova legislação trouxe um lampejo de esperança àqueles que vivem sem acesso adequado a dois itens básicos de sobrevivência — água potável e coleta de resíduos sanitários —, pressupostos essenciais para viabilizar um dos objetivos constitucionais: a construção de uma sociedade justa, desenvolvida, com a erradicação da pobreza e diminuição das desigualdades sociais (artigo 3º da Constituição Federal).

Em que pese o grande passo dado em 2020 em direção a um desfecho feliz para o tema, a regulamentação da matéria vem encontrando uma série de percalços, o que parece colocar ainda mais longe o sonho de implementar a universalização do acesso em prazo que, agora, está ainda menor: o país tem somente dez anos para implementar um projeto quase faraônico — na prática, implica praticamente duplicar a infraestrutura atualmente disponível.

Dentre os contratempos vistos nos últimos três anos, cabe destaque à publicação e revogação de decretos (cinco no total até agora) e à mais recente discussão entre governo e oposição sobre uma possível nova extensão do prazo para comprovação de capacidade econômico-financeira dos atuais operadores, bem como a possibilidade de companhias estaduais prestarem serviço diretamente sem licitação em regiões metropolitanas.

Os recentes Decretos 11.598/2023 e 11.599/2023 parecem ter sido um sinal de consenso nos Poderes Executivo e Legislativo e apontam uma luz no fim do túnel. Cabe destaque à sedimentação do prazo para comprovação de capacidade técnica até o final deste ano (art. 10 do Decreto 11.598/23), requisito essencial para que os reguladores possam avaliar se os prestadores de serviço possuem saúde financeira suficiente para estruturar e colocar em prática os projetos destinados a atender a meta de universalização do serviço público no final de 2033.

O novo decreto estabelece novas bases conceituais para que o Poder Concedente e a Agência Reguladora possam avaliar a viabilidade dos contratos atuais atenderem as novas métricas de universalização. Caso seja identificada a incapacidade econômico-financeira (o que impossibilitará, por conseguinte, o atingimento das metas), terá início processo administrativo junto à entidade reguladora para avaliar as ações a serem adotadas, podendo culminar até mesmo na declaração de caducidade da concessão (parágrafo único do artigo 15).

Outro ponto digno de nota é a mudança promovida pelo Decreto 11.598/23 que, ao revogar o Decreto 11.466/23, extinguiu a possibilidade de regularização de contratos precários de estatais que, no decreto anterior, poderiam regularizar a situação contratual até 2025, desde que comprovassem sua capacidade econômico-financeira. O decreto ainda extinguiu qualquer possibilidade de interpretação no sentido de permitir às estatais a prestação de serviço de forma direta sem licitação nas regiões metropolitanas.

Sobre este tema, é importante refletir sobre o pano de fundo da implantação do novo marco do setor, ainda que ao custo do desfazimento de contratos vigentes deficitários: se o modelo atual, prestado de forma direta por estatais, não mostrou resultados satisfatórios – caso contrário, não se faria necessária a criação do novo marco –, dar sobrevida a situações sem futuro pode custar a efetiva implantação de soluções para o setor. Já dizia Belchior: “é você que é malpassado e que não vê que o novo sempre vem”.

Em uma sociedade democrática debates são necessários e bem-vindos, especialmente quando envolvem a implantação de políticas públicas essenciais à população. O problema é a sua extensão sem que um termo seja encontrado: a falta de definição causa insegurança jurídica, retrai investimentos privados em um setor historicamente carente de recursos e impede o avanço na implantação de infraestrutura no país.

A conclusão das controvérsias em torno desse tema — especialmente a capacidade de cumprir o plano de universalização dentro do prazo estabelecido — é essencial para que o setor finalmente avance na estruturação dos seus próximos passos. Fica a pergunta: quem está no comando dos atuais contratos conseguirá cumprir as metas? Em caso de impossibilidade, que o Poder Público possa avançar na concepção de novos modelos, com a abertura de espaço para ampla competição e atração de novos investimentos. Espera-se que os novos decretos — quiçá últimos — sejam a primeira fresta de luz nesse longo túnel.

 

DANIELLE FRANCO – Head de Direito Administrativo do GVM Advogados

 

Fonte: JOTA


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