
Dos Corredores ao Plenário: Como Regras, Tratados e a Política se Entrelaçam na COP do Clima
POR – ANA CHAGAS
A cada ano, os olhos do mundo se voltam para a Conferência das Partes, a COP do Clima. O evento, que reúne líderes mundiais, diplomatas, cientistas e ativistas, é o epicentro das negociações internacionais para combater a crise climática. Para quem acompanha de fora, o processo pode parecer um labirinto de siglas e procedimentos. No entanto, ao desvendar sua estrutura, entendemos a complexa coreografia diplomática que define o futuro do nosso planeta.
A arquitetura jurídica do clima foi concebida de forma estratégica, adotando um modelo de “Convenção-Quadro”. A ideia, estabelecida em 1992 com a própria UNFCCC, era criar primeiro um alicerce de consenso. Esse tratado-mãe estabeleceu princípios universais, como a necessidade de agir e o reconhecimento das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, mas, intencionalmente, não impôs metas rígidas. Ele funciona como um guarda-chuva sob o qual instrumentos legais mais específicos — como protocolos e acordos — poderiam ser negociados posteriormente, à medida que a ciência avançasse e a vontade política amadurecesse.
É por isso que, ao longo dos anos, os instrumentos mais detalhados foram surgindo. Os mais famosos são o Protocolo de Quioto (1997) e o Acordo de Paris (2015). Embora centenas de “decisões” técnicas sejam aprovadas a cada COP, são esses dois grandes tratados que ainda dominam as negociações. O Protocolo de Quioto, mesmo com seu ciclo encerrado, ainda exige atenção para finalizar questões burocráticas pendentes. Já o Acordo de Paris é o tratado vivo, cujo “livro de regras” sobre temas como mercados de carbono, transparência e financiamento está em constante implementação e aprimoramento.
Para gerenciar essa complexa agenda, a governança da COP opera em múltiplos níveis. No topo, estão os plenários principais: a COP (para a Convenção-Quadro), a CMP (para o Protocolo de Quioto) e a CMA (para o Acordo de Paris). No entanto, o verdadeiro trabalho de “costura” dos textos acontece um nível abaixo, em um intenso processo paralelo.
O ciclo de negociação dura o ano inteiro, com um momento-chave em junho, na Conferência de Bonn, na Alemanha, onde o trabalho técnico pesado é adiantado. Quando a COP finalmente começa, a estrutura se desdobra em dezenas de salas de negociação simultâneas. As discussões são divididas por diploma (assuntos da CMA, da CMP ou da COP) e, dentro deles, por tema (financiamento, adaptação, mitigação, perdas e danos, tecnologia, etc.).
É nessas salas que os “grupos de contato” e as “consultas informais” acontecem. Ali, negociadores de diferentes blocos — como o G77+China, a União Europeia ou os Pequenos Estados Insulares (AOSIS) — se debruçam sobre os rascunhos das decisões, debatendo palavra por palavra, buscando textos de compromisso que possam ser aceitos por todos. Um rascunho pode ir e voltar várias vezes entre as delegações até que se encontre uma formulação de consenso.
Conforme os acordos técnicos são alcançados nessas salas temáticas, os textos consolidados são enviados “para cima”, para a coordenação dos Órgãos Subsidiários ou diretamente para a Presidência da COP. Esse processo funciona como um funil: as centenas de pontos de discórdia são gradualmente resolvidos em nível técnico, deixando apenas os impasses mais politicamente sensíveis para serem resolvidos no “segmento de alto nível”, com a chegada dos ministros e chefes de Estado na segunda semana. Após as decisões políticas destravarem os nós restantes, o texto final e completo de cada decisão é levado ao plenário correspondente para a adoção formal.
Compreender essa jornada — da lógica da Convenção-Quadro à exaustiva maratona de negociações paralelas — é essencial para decifrar a realidade da diplomacia climática. É exatamente por essa dinâmica intrincada e pela necessidade de consenso entre quase 200 países que, muitas vezes, as decisões finais da COP parecem avançar muito pouco em relação ao ano anterior. Cada palavra importa, pois as negociações não envolvem apenas questões ambientais; elas tocam em temas profundos de economia, desenvolvimento, segurança energética e, fundamentalmente, de soberania nacional. É ali, nesse complexo balanço de interesses, que a resposta coletiva da humanidade à crise climática é forjada, passo a passo.
Ana Chagas é advogada com mais de 20 anos de atuação na área de sustentabilidade. É mestre em Direito Ambiental pela Université Paris 1 – Panthéon Sorbonne e sócia-líder da área Ambiental, ESG e Mudanças Climáticas do Simões Pires Advogados. Membro ativo da Rede LaClima (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action), atuando como mentora do GT Corporativo e Clima, e como Conselheira Fiscal.
