BESS: Regulação e Inovação na Matriz Elétrica Brasileira

BESS: Regulação e Inovação na Matriz Elétrica Brasileira

Por Roberta Aronne e Luan Soares

São muitos os atributos e benefícios que o sistema de armazenamento de energia por baterias traz para a modernização das redes elétricas e integração eficiente das fontes renováveis

Nos últimos meses, em meio a debates sobre a presença cada vez maior de fontes renováveis intermitentes em nossa matriz elétrica, tem-se observado um crescente interesse do mercado brasileiro por sistemas de armazenamento de energia em baterias, também chamado de BESS (do inglês Battery Energy Storage System).

São muitos os atributos e benefícios que o sistema de armazenamento de energia por baterias traz para a modernização das redes elétricas e integração eficiente das fontes renováveis. Dentre eles podemos mencionar a regulação de frequência e qualidade, arbitragem de energia, integração de fontes renováveis intermitentes, reserva de emergência, despacho de carga, suporte a micro redes em áreas remotas e redução do custo de operação e manutenção das redes ao reduzir a carga nos horários de pico.

Nos Estados Unidos, o BESS tem ajudado a armazenar energia durante os períodos de baixa demanda e liberá-la durante os picos de consumo, garantindo maior estabilidade da rede, além de proporcionar enorme reserva de energia. Para impulsionar a tecnologia e garantir um ambiente favorável a novos investimentos, foram implementados dois importantes marcos: o crédito fiscal ao investimento (ITC), um crédito fiscal de 30% para sistemas de energia solar residenciais e comerciais, e a Lei de Incentivo Fiscal e de Implantação do Armazenamento de Energia (ESTIDA). Na California, um dos estados mais avançados em termos de regulação e número de sistemas instalados, o tema é tratado de forma conjunta pela California Public Utilities Commission, California Energy Commission, California Independent System Operator e governo estadual, que oferece incentivos como o Self-Generation Incentive Program (SGIP).

Já na Austrália, a Clean Energy Regulator (CER), agência governamental responsável por administrar políticas regulatórias e incentivos financeiros para reduzir as emissões de carbono e promover o uso de energia limpa no país, desempenha um papel essencial na implementação do BESS. A agência é responsável pelo enforcement do Renewable Energy Target (RET), um programa do governo australiano que incentiva a produção de eletricidade exclusivamente a partir de fontes renováveis, proporcionando certificados negociáveis para grandes fábricas e proprietários de sistemas de pequena escala. Os certificados negociáveis são instrumentos de mercado utilizados para incentivar a produção de eletricidade a partir de fontes limpas. Os proprietários recebem os chamados RECs (Renewable Energy Certificate) com base na quantidade de eletricidade limpa gerada, podendo vendê-los para cumprir obrigações legais impostas pelo RET.

A diferença principal entre os incentivos nos Estados Unidos e na Austrália está nos mecanismos utilizados: enquanto nos EUA são oferecidos créditos fiscais diretos para investimentos em energia solar e armazenamento, na Austrália são emitidos certificados negociáveis para promover a geração de eletricidade a partir de fontes renováveis. Ambos os sistemas visam incentivar a transição para uma matriz energética mais limpa e sustentável, mas por meio de abordagens diferentes.

Apesar de os países da União Europeia estarem adotando medidas para promover a implementação do BESS por meio de incentivos financeiros, integração com energias renováveis e participação nos mercados de energia, a complexidade regulatória ainda é um desafio a ser enfrentado para garantir a efetiva integração e operação.

Assim, com base na experiência internacional, e traçando um paralelo com tecnologias já disseminadas dentro do setor elétrico, uma implementação bem-sucedida do BESS, em larga escala, depende de colaboração entre as diferentes partes interessadas. Desde órgãos reguladores, operadores de rede, empresas geradoras, transmissoras e distribuidoras de energia, até o “pro”sumidor final (neologismo para o consumidor que também produz sua própria energia).

No cenário brasileiro, a evolução do tema é consideravelmente embrionária, e a existência do armazenamento se resume a unidades de pequeno porte, instaladas junto a sistemas de geração majoritariamente residenciais.

Embora o país tenha grande potencial para a adoção e implementação do BESS se comparado com os países já mencionados, está deveras atrasado. Enquanto EUA, Austrália e países da UE têm avançado rapidamente na integração de tecnologias de armazenamento de energia para modernizar suas redes elétricas e promover uma transição energética mais sustentável, o Brasil permanece incipiente nesse aspecto.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) iniciou, em 2023, por meio da Consulta Pública nº 39, a discussão sobre alternativas de soluções regulatórias para a inserção do BESS no Setor Elétrico Brasileiro, incluindo usinas reversíveis, como ferramenta de apoio para uma transição energética sustentável. A proposta da agência foi separar a discussão em três ciclos, com duração de 18 meses cada um.

Inicialmente, houve conversas sobre armazenamento de energia, com foco na caracterização dos recursos de armazenamento e na definição dos serviços a serem prestados. A segunda etapa abordou as especificidades das Usinas Hidrelétricas Reversíveis de ciclo aberto (aquelas não conectadas a um curso d’água ou que não interferem significativamente no regime hidrológico) e avaliou a possibilidade de desenvolver Sandboxes Regulatórios para questões de interesse, principalmente o empilhamento de receitas necessário para viabilizar economicamente o armazenamento e capturar mais benefícios ao sistema. E o terceiro e último ciclo focou em tópicos mais complexos como agregadores para os vários serviços, simulações nos modelos computacionais e seus impactos, além da exploração de novos modelos de negócio, como aplicações de armazenamento para a mitigação de curtailment e constrained-off das usinas de geração, bem como aprofundar definições estruturais sobre o empilhamento de receitas.

Se seguido o cronograma da ANEEL, o Brasil terá concluído o processo de regulamentação do BESS, na melhor das hipóteses, apenas em 2028/2029.

Outro desafio relevante para investidores interessados na expansão da tecnologia é a carga tributária excessiva sobre o sistema de armazenamento, que pode chegar a 70% do valor do bem, uma vez que as baterias hoje são equiparadas pela legislação fiscal a itens de luxo.

O desenvolvimento e a implementação de sistemas de armazenamento de energia em baterias (BESS) se mostram fundamentais para a modernização das redes elétricas globais e para apoiar a transição para uma matriz energética mais sustentável. Estados Unidos e Austrália já apresentam uma legislação avançada e estruturada, beneficiando-se significativamente da integração de BESS. Já o Brasil ainda caminha a passos lentos. A participação ativa e colaborativa entre todos os setores envolvidos é crítica para acelerar o processo regulatório e adotar plenamente essa tecnologia essencial.

Roberta Aronne e Luan Soares são advogados do núcleo de Energia do Simões Pires Advogados

Fonte: Canal Energia


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