Angra 3: os desafios para concluir a usina nuclear

Angra 3: os desafios para concluir a usina nuclear estimada em R$ 20 bilhões

Com obras iniciadas há 40 anos, unidade consome R$ 1,2 bi anual em manutenção; segundo fontes disseram à Bloomberg Línea, custo final do projeto é incerto e pode ser maior

Por Juliana Estigarríbia

23 de Abril, 2024 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — Com obras iniciadas há 40 anos e denúncias de corrupção no histórico, a usina nuclear de Angra 3, no Rio de Janeiro, voltou a ganhar holofotes após abertura recente de consulta pública no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sua conclusão. Para fontes envolvidas e especialistas consultados pela Bloomberg Línea, o projeto deve enfrentar grandes desafios, com o custo final incerto.

O Ministério de Minas e Energia estimou que a conclusão de Angra 3 demandaria aproximadamente R$ 20 bilhões. Segundo a pasta, já foram gastos cerca de R$ 8 bilhões nas obras.

Atualmente, o complexo de energia nuclear de Angra dos Reis – onde funcionam outras duas plantas – opera sob o guarda-chuva da Eletronuclear, subsidiária da estatal ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional).

Segundo a Eletronuclear, a nova unidade terá potência de 1.405 megawatts, com capacidade de gerar mais de 12 milhões de megawatts-hora por ano, o suficiente para atender 4,5 milhões de pessoas.

As obras tiveram início em 1984 e, hoje, 67% do total previsto está concluído. O custo para manter a unidade é de R$ 1,2 bilhão por ano, segundo levantamento da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN), que representa empresas privadas e públicas do setor.

Nessa conta, está incluída a manutenção dos equipamentos que já foram instalados – cerca de 90% do total previsto para a planta. Caso a Eletronuclear deixe de fazer a manutenção por dois meses, há perda de garantia prevista em contrato com o fabricante, explicou o presidente da ABDAN, Celso Cunha, em entrevista à Bloomberg Línea.

O executivo afirmou ainda que a estatal paga mensalmente ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e à Caixa o financiamento firmado para a instalação dos equipamentos e para as obras de construção civil, o que acaba sendo um desembolso adicional ao montante bilionário. “Angra 3 tem desembolsos mensais, mas não tem geração de caixa”, disse Cunha.

Pela proposta do projeto, estruturado pelo BNDES, haverá uma licitação para a conclusão das obras. O modelo prevê a contratação de uma ou mais empresas com experiência na área, no formato “EPC” (construção, compra de equipamentos e montagem, na sigla em inglês).

Do orçamento total, uma parte será destinada para a compra de combustível nuclear (em contrato de longo prazo). A estimativa é que a usina comece a operar em meados de 2029.

Segundo uma pessoa envolvida no projeto, que falou sob condição de anonimato porque as discussões são privadas, a empresa francesa Framatome é uma das favoritas a levar a licitação.

Procurada pela Bloomberg Línea, a Framatome informou que “estudará os documentos da licitação de EPC de Angra 3 que atualmente está em fase de consulta pública”.

O grupo francês já fornece equipamentos originais – o que a classifica como “OEM”, no jargão da indústria – para as unidades 2 e 3 do complexo e “está empenhado na conclusão do projeto Angra 3 com seus contratos existentes”.

Segundo a Framatome, os contratos existentes “cobrem todos os fornecimentos internacionais de equipamentos, suporte em serviços de design, gerenciamento de projetos e assistência técnica durante a montagem e comissionamento” da usina.

A empresa acrescentou que “está pronta para apoiar o projeto com pacotes/obras adicionais que estejam alinhados com as competências da Framatome para a conclusão de Angra 3.”

Novas tecnologias

Cunha disse que Angra 3 já “nasceria” totalmente digitalizada, o que facilitaria principalmente o monitoramento e as atualizações de segurança, inclusive em relação a usinas de outros países. Angra 1, por sua vez, segue analógica, enquanto Angra 2 é parcialmente digital.

Em termos de reator, no qual o urânio é transformado em energia pelo processo de fissão nuclear, Angra 3 terá a terceira geração de tecnologia disponível no mercado, uma vez que a unidade já começou a ser construída. Os reatores mais modernos são de quarta geração.

Segundo o presidente da ABDAN, a quinta geração ainda não está disponível, mas especula-se que venha com inteligência artificial para dar suporte ao operador.

“A França pretende instalar novos reatores, de quarta geração, que são pequenos e incorporam tudo de mais moderno”, afirmou Cunha.

Na visão do fundador da consultoria Inter.B e ex-economista do Banco Mundial, Cláudio Frischtak, as pesquisas atuais no setor de energia nuclear envolvem reatores menores e mais seguros. “É possível que tenhamos nos próximos anos tecnologias com custos mais eficientes, o que não é o caso de Angra 3, que se tornou, em certa medida, desatualizada em relação à pesquisa nuclear atual.”

Ele alegou que é difícil enxergar a racionalidade em torno da decisão de seguir com as obras. “Há investimentos muito mais econômicos para aumentar a segurança do sistema, em particular a modernização das usinas hidrelétricas e a melhoria de seus reservatórios”, disse o especialista.

Frischtak acrescentou que, atualmente, há um cenário potencial de sobreoferta de energia no Brasil, o que torna a viabilidade econômica de novos projetos ainda mais desafiadora. “Nos últimos anos, tem sido adicionada uma capacidade muito grande ao sistema, o que gera demanda de transmissão. Não é um custo direto.”

Para um dos sócios do Leite, Tosto e Barros Advogados, Alexandre Paranhos, é preciso levar em conta os riscos de precificação do projeto. “Quanto dessa estimativa de R$ 20 bilhões está atrelado ao dólar?”, questionou. “Em tese, a usina vai começar a operar no final da década. Essa conta precisa ser melhor apurada.”

Segurança energética

Paranhos ponderou que, embora o preço atual da energia não seja suficiente para pagar o projeto de Angra 3, a guerra na Ucrânia mostrou que os países precisam de segurança energética. “É importante terminar as obras de Angra 3. A sobreoferta no país é de fontes intermitentes, temos um gargalo de energia”, disse.

Inicialmente, as estimativas do governo para a tarifa da usina eram de R$ 700 a R$ 800 por megawatt-hora (MWh). Cunha disse acreditar que a licitação irá para a praça com tarifa de cerca de R$ 500/MWh.

Frischtak alertou para eventuais subsídios.

“Se o governo subsidiar parte da tarifa, no final o consumidor pagará duas vezes pelo projeto: além de arcar com a obra, vai pagar pela compra de energia com subsídio”, disse. Para seguir com a licitação de Angra 3, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) precisa aprovar a tarifa.

No último dia 10, o Tribunal de Contas da União (TCU) avaliou processos relacionados à Angra 3 e, segundo o ministro Jorge Oliveira, a análise do cálculo tarifário “apontou indícios de que a conclusão da usina não respeitará o princípio da modicidade tarifária”. Em seu voto, ele afirmou que esse princípio “estabelece que as tarifas cobradas pelos serviços públicos sejam razoáveis e acessíveis à população”.

“Estimativas mostram que, se Angra 3 for concluída e começar a funcionar, custará, em média, cerca de R$ 43 bilhões a mais do que outras opções de energia, em valor presente líquido, descontado a uma taxa de 8% ao ano”, disse o ministro-relator em seu voto, acrescentando que “os encargos aos consumidores serão muito mais altos em caso de continuidade da construção de Angra 3 do que de abandono do projeto”.

Segundo a ABDAN, o custo de abandono (desmobilização) de Angra 3 seria de aproximadamente R$ 13,5 bilhões, sem considerar os R$ 8 bilhões já aportados.

O plenário do TCU determinou que o CNPE justifique “de maneira detalhada” sua decisão sobre Angra 3 e que o órgão considere os custos de eventual abandono da obra.

O Tribunal também recomendou que o CNPE, caso decida autorizar a outorga, “estabeleça limites para que novas ineficiências ou outros atrasos na obra não sejam mais incorporados ao preço a ser aprovado”, ou seja, não sejam repassados ao consumidor.

A Eletronuclear disse em nota que a informação do TCU se baseou em uma apresentação preliminar do BNDES no passado e que o preço da energia elétrica para Angra 3 será a resultante de um estudo contratado junto ao banco de fomento que ainda não está concluído.

“Somente após a conclusão dos estudos independentes é que a EPE [Empresa de Pesquisa Energética] poderá exercer seu ofício e dimensionar os impactos do empreendimento de Angra 3 no sistema elétrico nacional.”

Cunha afirmou que, nas últimas edições da Cúpula do Clima da ONU (COP), ficou “claro que sem energia nuclear não haverá transição energética”. Em sua visão, o projeto de Angra 3 tem o custo da continuidade.

“É preciso transparência no processo, mas retomar as obras tem um custo, do risco financeiro de um projeto que foi interrompido duas vezes, de o vencedor da licitação entrar lá e não saber o que vai encontrar.”

 

Fonte: Bloomberg Línea 


Posts relecionados

PEC para alterar processo de escolha de ministros do STF é problemática

Segundo a criminalista Cecilia Mello, a proposta procura dar ao STF uma composição global...

STF abre caminho para volta do imposto sindical

Cristina Buchignani, sócia do Costa Tavares Paes Advogados, foi consultada

Fale conosco

Endereço
Rua Wisard, 23 – Vila Madalena
São Paulo/SP
Contatos

(11) 3093 2021
(11) 974 013 478