A necessária segurança jurídica na revisão do Plano Diretor
A possibilidade de nova fase de consulta pode contribuir para melhor compreensão e aprimoramento das propostas do texto substitutivo, evitando o ‘efeito surpresa’ que tanto pode prejudicar o planejamento urbano e paralisar o mercado imobiliário
Por Bruno Sales
10/06/2023 | 03h00
A cidade de São Paulo passa atualmente por importante processo de revisão de seu Plano Diretor, vigente desde julho de 2014, que define as diretrizes de planejamento e desenvolvimento urbano. Este processo de revisão teve início em 2021, conforme previsto no próprio plano, com a elaboração de minuta participativa pela Prefeitura, contando com estudos de avaliação de estratégias e ampla participação popular, por meio de oficinas, 4.388 contribuições e 62 audiências públicas.
Em março de 2023, a minuta foi entregue à Câmara de Vereadores, contendo propostas de aprimoramento de estratégias do plano, como desestímulo à construção de estúdios inferiores a 30 m² e incentivos para empreendimentos sem previsão de vagas ao redor dos sistemas de transporte público, bem como à produção de moradia popular. Na Casa Legislativa, a propositura (Projeto de Lei n.º 127/23) já passou por 47 audiências públicas e inúmeras contribuições pelos canais abertos para esse fim.
Como resultado, após ouvir todos os segmentos da sociedade, a Comissão de Política Urbana (CPU) apresentou substitutivo contendo propostas adicionais ao texto, com alterações significativas, tais como: 1) a ampliação da área de influência dos chamados Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU), que são as áreas localizadas ao redor do sistema de transporte público (corredores de ônibus, estações de trem e de metrô), destinadas a orientar o desenvolvimento urbano, pelo adensamento habitacional e construtivo; 2) aumento do porte de construções nas áreas urbanas já consolidadas, mediante pagamento de contrapartida financeira ao município; 3) a definição de um novo regime de destinação de moradia popular de produção privada, abrangendo não apenas a venda, mas também sua locação, desde que observados os respectivos critérios de renda; 4) possibilidade de pagamento de outorga onerosa do direito de construir mediante realização de obras benéficas para a cidade.
Na primeira votação, ocorrida em 31 de maio de 2023, o texto substitutivo foi aprovado por 42 votos a favor e 12 contrários. Também já foi definida a realização de mais 8 audiências públicas até a votação definitiva, ainda sem data prevista.
A apresentação de emendas e substitutivos é inerente ao exercício da atividade dos vereadores, como representantes da população local, na forma de seu regimento. É muito importante, porém, que as mudanças sejam avaliadas e aprimoradas para que seus efeitos não prejudiquem as próprias estratégias do Plano Diretor, gerando riscos e consequências negativas para a sociedade. Em tal sentido, seria possível citar como exemplo a proposta para controle de enquadramento de renda na venda ou locação de habitação popular, que poderia gerar situações absolutamente incoerentes. De fato, pela proposta, o adquirente correria o risco de perder a unidade, se sua renda aumentasse entre a data da assinatura do contrato de compra e venda e a entrega da unidade, após o período de obras, o que poderia ocorrer no caso de casamento ou promoção do trabalho. Também haveria risco de despejo para o locatário, se um aumento repentino no custo da moradia, envolvendo o valor do aluguel, condomínio e IPTU, viesse a comprometer mais de 25% de sua renda familiar.
Antes mesmo da primeira votação do texto, o Ministério Público havia ingressado com ação civil pública para garantir não apenas a realização de audiências, mas um novo prazo de consulta pública sobre o texto substitutivo para viabilizar o encaminhamento de contribuições.
A possibilidade de nova fase de consulta, não prevista no calendário da revisão na Câmara de Vereadores, pode muito contribuir para melhor compreensão e aprimoramento das propostas do texto substitutivo, evitando o efeito surpresa que tanto pode prejudicar o planejamento urbano e gerar uma paralisia no mercado imobiliário local, que depende essencialmente de segurança jurídica para o desenvolvimento de suas atividades.
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É ADVOGADO ESPECIALISTA EM DIREITO URBANÍSTICO E AMBIENTAL