Suposto esquema fiscal de varejistas: quais crimes estão envolvidos e quais são os pontos de atenção para empreendedores
Caso da prisão do empresário Sidney Oliveira, fundador da Ultrafarma, em operação contra corrupção fiscal reforça a importância de compliance, prevenção e controles internos nas empresas
O empresário Sidney Oliveira, dono da rede de farmácias Ultrafarma, foi preso nesta terça-feira (12/8) em São Paulo, durante a Operação Ícaro, do Ministério Público de São Paulo (MPSP). A ação investiga um esquema de fraudes em créditos tributários que teria movimentado cerca de R$ 1 bilhão em propinas desde 2021. A investigação é conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos (Gedec).
Segundo o MPSP, um auditor fiscal paulista manipulava processos administrativos para facilitar a quitação de créditos tributários de empresas. Em troca, recebia pagamentos mensais de propina por meio de uma empresa registrada no nome da mãe.
Também foram detidos nesta terça Mário Otávio Gomes, diretor estatutário do grupo Fast Shop, rede de eletrodomésticos e eletrônicos; Artur Gomes da Silva Neto, auditor da Diretoria de Fiscalização (Difis) da Fazenda estadual paulista; Marcelo de Almeida Gouveia, auditor fiscal; Celso Éder Gonzaga de Araújo, apontado como parceiro de Artur e dono de uma casa onde foram apreendidos pacotes com esmeraldas; e Tatiane da Conceição Lopes, esposa de Celso.
O caso apurado na Operação Ícaro envolve crimes como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, tendo como eixo a concessão indevida de créditos tributários mediante propina a servidores.
Como funcionava o esquema
De acordo com as investigações, o grupo criminoso atuava para beneficiar grandes varejistas em troca de vantagens indevidas. O principal investigado é Arthur Gomes da Silva Neto.
O esquema incluía apoio completo às empresas, desde a coleta de documentos até o protocolo e acompanhamento dos pedidos na Secretaria da Fazenda (Sefaz). O fiscal acessava o sistema usando o certificado digital da empresa beneficiada e promovia tramitação prioritária de processos, aprovando ou acelerando pedidos fora do fluxo normal.
As operações eram realizadas por meio da Smart Tax, empresa registrada no nome da mãe de Neto, sem funcionários e com sede em sua residência, em Ribeirão Pires (região metropolitana de São Paulo). Apesar de não possuir estrutura para consultoria tributária, a Smart Tax recebeu dezenas de milhões de reais da Fast Shop e movimentou mais de R$ 1 bilhão em valores brutos entre 2021 e 2022.
O promotor de Justiça Roberto Bodini disse que essas transações eram registradas por meio de emissão de notas fiscais e recolhimento de ICMS, dando aparência de legalidade aos serviços.
Pontos de atenção para empreendedores
Para Leonardo Magalhães Avelar, sócio-fundador do Avelar Advogados, o alerta é claro: “Qualquer proposta de ‘facilitação’ fiscal fora dos canais oficiais deve ser imediatamente recusada. Atalhos ilegais geram risco penal, administrativo e — talvez o mais grave — dano irreversível à reputação”, diz.
No campo criminal, as penas variam de acordo com o delito: corrupção ativa e passiva, de 2 a 12 anos; organização criminosa, de 3 a 8 anos; e lavagem de dinheiro, de 3 a 10 anos.
Na esfera administrativa, a Lei Anticorrupção prevê sanções como perda de benefícios fiscais, aplicação de multas tributárias, declaração de inidoneidade para contratar com o Poder Público, multa de até 20% do faturamento e cassação da inscrição estadual.
“A melhor defesa é a prevenção”, reforça Avelar, que recomenda a realização de treinamentos internos, o monitoramento constante dos benefícios fiscais e a manutenção de documentação rastreável.
Sérgio Bessa, coordenador da área penal empresarial do Peixoto & Cury Advogados, acrescenta que é fundamental fortalecer e garantir autonomia aos setores de compliance, além de realizar auditorias externas periódicas com profissionais de credibilidade. “É importante verificar se há, na empresa, pagamento ou recebimento de valores envolvendo pessoas politicamente expostas, incluindo parentes e terceiros a elas relacionadas, e, em último caso, entender se há justificativa idônea para estabelecer esse tipo de relação.”
Quem é Sidney de Oliveira, fundador da Ultrafarma
Natural de Nova Olímpia (PR), Sidney Oliveira cresceu em uma família com mais de dez irmãos e começou a trabalhar em farmácia aos 9 anos. Alfabetizado pelo Mobral e sem ensino superior, iniciou a venda de medicamentos na juventude e abriu sua primeira farmácia, chegando a administrar 12 lojas no Paraná antes de vendê-las e se mudar para São Paulo, em 1980.
Na capital paulista, manteve uma farmácia na Avenida Brigadeiro Luís Antônio até 1990. Em 1998, fundou a Drogavida, que não resistiu à concorrência. Dois anos depois, criou a Ultrafarma, que se tornou líder na venda de genéricos no Brasil, conhecida por comerciais de TV com promoções agressivas e campanhas com artistas como Lima Duarte.
A Ultrafarma soma mais de 1 milhão de clientes ativos e um portfólio de 15 mil produtos. Venceu o Prêmio Top of Mind Internet em 2007 e, em 2018, tinha faturamento anual estimado em R$ 800 milhões. Sidney também apresentou programas de TV e investiu em naming rights, como na estação Saúde-Ultrafarma, cujo contrato com o Metrô de São Paulo é de R$ 71,9 mil por mês.
