Zanin oficia OAB sobre uso indevido de IA em petição com precedentes inventados
Recurso protocolado na Corte questiona uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho
O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), oficiou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na segunda-feira para que a entidade apure suspeitas de uso irregular de ferramentas de inteligência artificial (IA) em uma petição endereçada à Corte.
O texto questiona uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Todas as páginas do documento possuem marca d’água de um software com ferramentas de IA. A solicitação feita ao Supremo cita precedentes que não existem na Corte e altera o conteúdo de uma súmula vinculante do tribunal.
Para Zanin, a OAB deve apurar possível violação ao Estatuto da Advocacia. Para ele, há indício de má-fé processual, pois o autor teria falseado “precedentes vinculantes”. Além de oficiar a entidade, o ministro do STF condenou o advogado ao pagamento em dobro das custas iniciais do processo.
O advogado Daniel Becker, especialista em proteção de dados e tecnologia, disse ao Valor que o caso não é isolado. Segundo ele, há outros processos com indício de utilização irregular de ferramentas de inteligência artificial. Episódios como esse, acrescenta, nem sempre indicam má-fé dos advogados, mas um certo “iletramento” sobre o uso de novas tecnologias.
“O regulamento europeu tem uma disposição que trata do letramento na tecnologia, da importância de educar sobre o uso de novas tecnologias, justamente para que as pessoas entendam as funcionalidades e limitações da inteligência artificial”, afirma.
Ainda segundo Becker, parte dos softwares acaba criando textos que na verdade não existem como parte da jurisprudência dos tribunais. De acordo com ele, o tema moveu a OAB a aprovar em 2024 uma série de recomendações sobre o uso de inteligência artificial na advocacia. O texto orienta, por exemplo, que a utilização de programas tenha supervisão humana. Também diz que deve haver “especial atenção” ao “levantamento de doutrina e jurisprudência”.
“O advogado deve cumprir estritamente com os deveres estabelecidos no artigo 77 do Código de Processo Civil, em especial no que diz respeito à veracidade das informações apresentadas em juízo, mesmo que essas sejam coletadas com apoio de recursos tecnológicos”, diz trecho da recomendação da OAB.
“Recomenda-se que o advogado que opte pelo uso de ferramentas de IA generativa compreenda razoavelmente como a tecnologia funciona, as limitações, os riscos a ela associados, e os termos de uso e outras políticas aplicáveis a respeito do tratamento de dados realizados”, prossegue a orientação.