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PEC não privatiza praias, mas merece discussão equilibrada

PEC não privatiza praias, mas merece discussão equilibrada

É essencial buscar um equilíbrio entre garantir os direitos de propriedade e preservar o patrimônio natural. Para isso, é crucial que a proposta seja amplamente debatida antes de qualquer votação definitiva, assegurando que atenda aos interesses da sociedade de maneira justa e sustentável

Por Clehilton França

12/06/2024 | 05h30

Bastante criticada e tema de discussões acaloradas nas redes sociais, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 39/2011, de autoria do então deputado federal Arnaldo Jordy, não prevê a privatização das praias como vem sendo propagado por alguns. Propõe sim possibilitar a transferência dos chamados terrenos de marinha da União para pessoas particulares, Estados e municípios.

Os terrenos de marinha são definidos como aqueles localizados em uma faixa de 33 metros medidos horizontalmente para o interior do continente ou das ilhas costeiras, a partir do ponto alcançado pela maré alta, conforme estabelecido pela Linha do Preamar Médio de 1831. Os referidos terrenos de marinha são, hoje, bens da União expressamente previstos no art. 20, VII, da Constituição Federal, regulamentado pelo art. 2º do Decreto-lei n. 9.760/46.

Por força do art. 49, § 3º, do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), a enfiteuse é aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima, portanto, sujeitos ao foro de 0,6% do valor do respectivo domínio pleno, que deve ser anualmente atualizado. Significa dizer que o adquirente do terreno de marinha detém a posse direta, mas não a propriedade.

A PEC 39/2011 objetiva a revogação do inciso VII do caput do art. 20 da CF e o § 3º do art. 49 do ADCT, dispondo sobre a propriedade desses terrenos em favor de:

UniãoEstados e Municípios, quando as áreas pertencem aos serviços públicos federal, estadual e municipal;

Foreiros e aos ocupantes regularmente inscritos no órgão de gestão do patrimônio da União até a data de publicação da Emenda Constitucional (caso promulgada);

Ocupantes não inscritos, desde que a ocupação tenha ocorrido pelo menos 5 (cinco) anos antes da data da publicação da Emenda Constitucional e seja formalmente comprovada a boa-fé; e

Cessionários das áreas que lhes foram cedidas pela União.

A alteração enseja uma notória descentralização na administração dos terrenos afetados ao serviço público, que antes eram exclusivamente geridos pela União, bem como permitirá o domínio pleno em favor dos foreiros e ocupantes que passarão a ser os proprietários dos terrenos. É bem verdade que, tecnicamente, a proposta não privatiza as praias, mas abre a possibilidade de privatização de grandes áreas de marinha que dão acesso às praias.

Assim, naturalmente, a privatização dos terrenos de marinha pode resultar em restrições ao acesso público das praias e outros recursos naturais, anteriormente garantidos, bem como na própria conservação dos aspectos naturais inerentes ao litoral.

Por outro lado, a referida privatização dos terrenos de marinha assegura a regularização de áreas de forma a garantir segurança jurídica a ocupantes/adquirentes de boa-fé.

Dessa maneira, é essencial buscar um equilíbrio entre garantir os direitos de propriedade e preservar o patrimônio natural. Para isso, é crucial que a proposta seja amplamente discutida e debatida antes de qualquer votação definitiva, assegurando que atenda aos interesses da sociedade de maneira justa e sustentável.

Qualquer que seja o resultado desse processo legislativo, não poderá prescindir de efetivo e amplo debate, a partir de audiências públicas, que deverão incluir, obrigatoriamente, a sociedade civil organizada, entidades de proteção ao meio ambiente, além de órgãos públicos e entidades de Estado diretamente afetados (como a Marinha, por exemplo, que já se pronunciou contra o projeto, defendendo a necessidade de manter o domínio da União como imperativo de segurança nacional)

Além disso, a discussão deve se preocupar em responder a diversas questões: de ordem ambiental (como manter e garantir efetiva proteção às áreas de preservação); social (como garantir o efetivo e amplo acesso às praias em face da privatização das áreas imediatamente contíguas); econômica (como regular a atividade empresarial nessas áreas); e cultural (como preservar, por exemplo, a tradição de populações tradicionalmente ocupantes de território definido hoje como terreno de marinha).

Somente depois desse amplo e franco debate, o resultado do processo legislativo poderá se dizer democrático; qualquer coisa aquém, que despreze o diálogo ou o direito de participação social, representará decisão estritamente política, sem o devido amadurecimento democrático, passível, assim, de questionamento quanto a sua constitucionalidade.

 

Clehilton França é especialista em Direito Público e sócio da M. Meira Advogados.

 

Fonte: Estadão

 


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