Tributaristas vêem com reservas e apontam ‘retrocessos’ em medidas fiscais de governo Lula

Tributaristas vêem com reservas e apontam ‘retrocessos’ em medidas fiscais de governo Lula

Excesso de judicialização, voto de qualidade no Tribunal da Receita, retorno do Coaf para a Fazenda, legislação PIS/Cofins; entenda o que está preocupando advogados que atuam na área

Alguns pontos das medidas provisórias anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na quinta, 12, e publicadas em edição extra do Diário Oficial, com vistas a aumentar a arrecadação e diminuir o déficit fiscal, foram recebidas com reservas e críticas por tributaristas. A avaliação é a de que algumas mudanças podem implicar em um aumento da judicialização. O ponto que chama mais atenção é o restabelecimento do ‘voto de qualidade’ no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Quando há empate nos julgamentos, o voto de minerva volta a ser dado por um conselheiro indicado pela Fazenda Nacional. Até então os empates eram favoráveis aos contribuintes.

Outras medidas incluem o retorno do Conselho de Controle de Atividades Financeiras à estrutura do Ministério da Fazenda, a alteração da legislação do PIS/Cofins, excluindo expressamente o ICMS da base de cálculo das duas contribuições e a instituição do Programa Litígio Zero para pessoas físicas e micro e pequenas empresas inadimplentes (para renegociação de débitos que estão sendo contestados.

Para Igor Mauler Santiago, doutor em Direito Tributário, o retorno do voto de minerva ‘revela falta de criatividade do novo governo’. “Dar ao Fisco ou aos contribuintes a vantagem do empate apenas desloca a insatisfação. Se é para mudar, melhor seria excluir a multa — onde há dúvida cabe punição — e manter o crédito suspenso, sem necessidade de liminar ou garantia, até o fim da ação judicial, desde que proposta pelo contribuinte até 30 dias após o fim do processo administrativo”, diz.

Na mesma linha, o tributarista Fábio Lunardini diz que a restituição do voto de qualidade no Carf ‘reverte um histórico pleito dos contribuintes’. “O empate em votação, que até aqui se resolvia favoravelmente aos contribuintes, volta a ser tratado conforme o disposto no artigo 25, parágrafo 9º, do Decreto 70.235, de 1972, com a aplicação do voto de qualidade do presidente da Turma ou Câmara julgadora, inclusive da Câmara Superior — que é, pela norma legal, sempre oriundo da Fazenda Nacional. Trata-se de claro retrocesso em prejuízo dos contribuintes, que deve ser objeto de debates quando da tramitação da MP no Congresso Nacional”, alerta.

A advogada Liz Marília Vecci considera que o voto de qualidade isonômico ‘foi uma conquista do contribuinte’. “Ao que parece, as medidas agora propostas são reações do Executivo à jurisprudência do STF. Embora na ADI 6399 tenha sido afirmado pelo STF que o voto de qualidade é uma opção do legislador, a alteração legislativa pro-contribuinte, contida na norma lá impugnada, foi tida como constitucional, dentre outras razões, porque em sintonia com o princípio da isonomia”, comenta.

O tributarista Arthur Barreto também questiona a extinção do desempate pró-contribuinte, ainda criticando a retirada do ICMS da base de cálculo dos créditos de PIS/COFINS. “Revela inconformismo com a decisão do STF que excluiu o imposto do cálculo das contribuições sem tal restrição, além de se tratar de medida com ares de inconstitucionalidade. Trata-se de uma interpretação que vem sendo forçada pelo fisco federal, mas ainda sem amparo legal”.

Para o também tributarista Douglas Guilherme Filho a volta do voto de qualidade no Carf pode representar ‘grande insegurança’. “Nos últimos anos, a jurisprudência deste órgão tem se consolidado em favor dos contribuintes, em teses que antes da implementação desse critério eram sempre decididas em favor do fisco”, explica. Na avaliação doa advogado, a medida tende a aumentar o número de litígios judiciais. “Os pagadores de tributos terão de se socorrer ao Poder Judiciário para anular as autuações fiscais”.

A advogada Maria Carolina Sampaio vê ‘retrocesso’ nas mudanças no Carf. “O aumento do valor mínimo das causas que podem ser discutidas no Carf e o fim do modelo paritário no órgão — para a derrubada intencional de posicionamentos favoráveis aos contribuintes — implicará a judicialização de incontáveis casos. É um pacote de maldades”, avalia.

Litígio Zero

O “Litígio Zero” foi criado como um programa para pessoas físicas e jurídicas renegociarem débitos que estão sendo contestados. Ele estabelece o fim da exigência do recurso de ofício — recurso do Fisco quando se perde um caso no Carf — para cobranças abaixo de R$ 15 milhões.

Segundo o tributarista Douglas Guilherme, não há ‘necessariamente uma vitória dos contribuintes’. “A fiscalização poderá recorrer da parte que lhe foi desfavorável através de recurso voluntário, remanescendo a discussão no Carf, notadamente em relação aos casos de maior valor”, lembra.

Para o advogado Arthur Barreto, o ‘Litígio Zero’ pode ser ‘um passo para trás’ depois da adoção da transação tributária. “Nesta, há programas mais específicos como, por exemplo, para abranger contribuintes afetados pela pandemia — sendo necessário comprovar os danos causados pela emergência sanitária às contas do contribuinte. Há também programas para pequenos contribuintes e outras situações. Um programa mais amplo — se for esse o caso — como um ‘Refis’, alcançando devedores em geral, desestimula o bom pagador de tributos”, avalia.

Fonte: Estadão


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