Teremos um “revogaço” na área de Direito do Consumidor

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Teremos um “revogaço” na área de Direito do Consumidor em janeiro de 2023?

Como sabemos, a eleição de Jair Messias Bolsonaro como presidente da República provocou um rebuliço na legislação nacional. Sua posição ideológica, bastante à direita no espectro político, foi oposta à totalidade dos presidentes eleitos anteriormente, após a queda da ditadura.

Veio representando o anseio de um grupo de brasileiros — maior do que se esperava – que não concordava com posturas adotadas pelos governantes anteriores. E cuidou de colocar suas teses em prática propondo novas leis, editando decretos e outros provimentos que contrariaram fortemente as regras então em vigor. Fã do armamento da população, por exemplo, atuou fortemente a favor dessa nova visão, indo de encontro ao projeto desarmamentista que se desenhava há longa data.

Descumpriu, basicamente, os princípios que nortearam a elaboração da Constituição de 1988, voltada para uma visão humanista dos destinos do Brasil. 

Agora, com o retorno de um presidente de centro-esquerda ao poder, junto com uma ampla aliança de outros matizes políticos, já se anunciam inúmeras mudanças de postura na condução dos temas nacionais.

E a expressão “revogaço”, como uma atitude a ser praticada nos primeiros 100 dias do novo governo, revogando inúmeros decretos — ou editando outros tantos — veio estampada nos órgãos de imprensa, como um fato que deverá acontecer. 

Um “revogaço” não é algo que se aprecie. A brusca e forte quebra de ritmo da condução de uma nação não condiz com o regime democrático.

Muito tem se perguntado se essa é a melhor forma de se alterar a postura do nosso país.

Contudo, com a permissão dos que pensam em contrário, o Brasil está com sua imagem deteriorada no panorama mundial, devido a legalizadas práticas deploráveis, e postura equivocada e retrógada em face ao momento de desenvolvimento do mundo ocidental. Ali também ocorreu um “revogaço”. Ao longo de quatro anos. Urge colocar, rapidamente, o “trem nos trilhos”.

O Direito do Consumidor não ficou imune a esse novo mundo que foi posto, embora as mudanças, no geral, tenham causado pouco impacto junto à opinião pública. 

Assim é que, através do Decreto 10.417/2020 recriou-se o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, que havia sido extinto por ocasião da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC), em 1990. 

Apesar de ser um anseio das entidades de defesa do consumidor, o novo Conselho veio com um formato um tanto diferente do original, para dizer o menos. 

Assim, sua representação deixou de refletir o interesse maior dos consumidores, para abraçar basicamente representantes estatais que atuam mais próximo dos fornecedores. Basta que se diga que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) tem um representante nesse Conselho. 

Criou-se uma competência claramente ilegal e inconstitucional, ao conferir direito de avocação de processos administrativos dos Estados para a União (embora se reconheça a importância disso, tal tema fere irremediavelmente a competência prevista na Constituição). 

Esse decreto reflete uma tendência do governo federal em centralizar a defesa do consumidor junto à União, em contraponto ao artigo 24 da Carta Constitucional — que a distribui também para os Estados.

Para não nos alongarmos, se o “revogaço” ocorrer, este decreto certamente deverá estar no começo da fila. 

Também deverá ter prioridade o decreto regulamentador da Lei 14.181/2021 (superendividamento), que alterou inúmeros artigos do Código de Defesa do Consumidor. 

Considerada uma norma moderna e que avançou na proteção do consumidor, oriunda de antigo projeto que tramitava no Congresso Nacional, relegou à expressa regulamentação do Poder Executivo a quantificação do “mínimo existencial”, elemento imprescindível para a proteção do superendividado. 

Tive oportunidade de tecer algumas considerações sobre o assunto em dezembro de 2021, nesta mesma ConJur, (“Mínimo existencial: na prática a teoria é outra“), onde concluí que o mínimo existencial deve levar em consideração não só um valor, mas a situação ruinosa a que o consumidor foi levado por circunstâncias outras. Não mudei de posição.

Porém a regulamentação, feita através do Decreto 11.150 de 2022, calculou o mínimo existencial em irreajustáveis e irrisórios R$ 303, ou 25% do salário-mínimo vigente à época da data da publicação do decreto. 

Tal valor ficou bem abaixo das expectativas de qualquer entidade representativa de fornecedores ou consumidores, e certamente será vítima do “revogaço”.

Outra medida que deverá ser analisada pelo novo governo é o chamado Decreto do SAC (11.034, de abril deste ano). Teve reclamos das entidades e órgãos especializados na defesa dos consumidores. 

Mas, ainda assim, é preciso admitir que parte do texto trouxe relevantes alterações em favor dos consumidores. O que se critica, no entanto, é a perda da oportunidade de introdução de novas fórmulas para o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor). E a supressão de algumas regras existentes no revogado Decreto 6.523/2008, especialmente as que diziam respeito a controles mais rígidos no tempo de atendimento.

Cumpre lembrar que ele entrou em vigor em outubro de 2022 e, mesmo com o período de vacatio legis que antecedeu a sua vigência, será necessária uma melhor avaliação de sua utilidade. 

Não parece necessário que seja alvo de um “revogaço”, mas sim de uma avaliação posterior, com algumas alterações. 

O que se espera, em verdade, é que, com um novo ministro da Justiça, a conduta federal de proteção ao consumidor se altere de um modo saudável para as relações de consumo, com uma menor interferência da União em determinados temas, pois a simbiose existente entre consumidor e fornecedor é elemento essencial para o desenvolvimento nacional, pautado num regime capitalista, mas desde que leve em conta a proteção à dignidade da pessoa humana.

Francisco A. Fragata Jr é especialista em Direito das Relações de Consumo e presidente do Conselho de Administração do Fragata e Antunes Advogados.

Fonte: Consultor Jurídico


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