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É urgente o debate sobre tecnologias na Justiça

É urgente o debate sobre tecnologias na Justiça

Wilson Sales Belchior*

Wilson Sales Belchior. FOTO: DIVULGAÇÃO

Diário Oficial da União publicou, recentemente, a Lei nº 13.994/2020 dispondo expressamente que é possível a realização de conciliação não presencial no Juizado Especial Cível, com uso de recursos tecnológicos para transmissão de sons e imagens em tempo real. Pela lei, o juiz togado proferirá sentença quando a parte requerida recusar-se em participar da tentativa de conciliação não presencial, além da hipótese de não comparecimento.

A alteração é relevante juridicamente, ajustando a Lei nº 9099/95 às disposições do Código de Processo Civil de 2015, com a permissão para que a audiência de conciliação ou mediação seja realizada em meio eletrônico (art. 334, § 7º), possibilidade, igualmente, prevista na Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015, art. 46), com o potencial de ampliar ainda mais o acesso à Justiça aos jurisdicionados e efetivar com mais firmeza os critérios que orientam esse sistema, especialmente a celeridade na solução mais apropriada de conflitos.

No contexto da pandemia, essa mudança normativa chega em boa hora, representando um reforço para as iniciativas de manutenção do funcionamento da prestação jurisdicional, ao mesmo tempo em que são respeitadas as recomendações das autoridades de saúde para conter a disseminação do novo coronavírus, estabelecendo, de forma definitiva, que a conciliação online é um meio válido e legal para prática desse ato processual.

Não custa lembrar que a emergência em saúde pública, vivenciada atualmente, acelerou a adoção de recursos tecnológicos na prestação jurisdicional. A Resolução nº 314, do Conselho Nacional de Justiça, indicou como regra, durante o período de sua vigência, a prática de atos processuais em meio eletrônico ou virtual (art. 3º, § 2º), ampliou a abrangência das sessões virtuais de julgamento nos Tribunais e nas Turmas Recursais dos Juizados Especiais para processos físicos, além dos eletrônicos, sem restrição quanto à matéria (art. 5º, caput), assegurando-se a realização de sustentação oral por meio de videoconferência (art. 5º, parágrafo único), determinando que os Tribunais disciplinem o trabalho remoto de magistrados, servidores e colaboradores (art. 6º, caput), incentivando ainda a digitalização dos processos físicos (art. 6º, § 4º).

Com isto, se observa que os parágrafos primeiro e segundo do artigo 22 e a nova redação do artigo 23, ambos da Lei nº 9.099/95, em conjunto com os atos normativos que disciplinam a virtualização de atos, procedimentos e sessões de julgamento durante a pandemia anteciparam o prognóstico de que o funcionamento dos Tribunais seria transformado pela tecnologia, configurando a conciliação em meio eletrônico no Juizado Especial Cível um marco distintivo, que alerta para a necessidade de adaptação dos escritórios de advocacia, departamentos jurídicos e da própria preparação profissional que é feita nas instituições de ensino superior.

Na literatura especializada já se discute há algum tempo a aplicação das novas tecnologias ao Poder Judiciário, tanto é que se difundiu o uso de expressões variadas para tratar desse fenômeno de modernização. Fala-se em Online Courts ao fazer referência à virtualização, desenvolvimento de plataformas online e ferramentas de Online Dispute Resolution integradas à prestação jurisdicional. Cyberjustice, em geral, diz respeito à digitalização dos sistemas de justiça, processual e procedimentalmente, com a utilização de recursos tecnológicos na solução de conflitos judiciais e extrajudiciais. E Intelligent Courts associa-se à transformação do Poder Judiciário em um espaço inteligente, integrando-o à Inteligência Artificial e outras tecnologias, incorporando o valor estratégico do Big Data, mais níveis de atuação e aplicações tecnológicas.

Em comum, o esforço investigativo de formas para aperfeiçoamento institucional com a implementação de novas tecnologias, transformando os formatos tradicionais em que a Justiça é entregue, a fim de enfrentar questões vinculadas ao acesso à Justiça, crescimento do estoque processual, custos, eficiência, garantia de direitos fundamentais, gestão de pessoas, solução mais apropriada de conflitos e uniformização de jurisprudência, entre outras.

Sem dúvidas, o avanço da virtualização trazido como desdobramento da pandemia e consubstanciado, igualmente, na previsão de conciliações não presenciais nos Juizados Especiais, explicitam indicadores de mudanças profundas no funcionamento dos Tribunais. Isso desperta dúvidas na comunidade jurídica e na sociedade em geral sobre os seus efeitos depois de superada a situação de calamidade pública provocada pela disseminação do novo coronavírus. Essas dúvidas mostram a urgência no debate sobre a necessidade de regras sobre a aplicação de novas tecnologias nos sistemas de Justiça.

A análise da adequação dessas soluções às especificidades de ramos diferentes do Direito, a indispensável conformidade com balizas norteadoras da ordem jurídica, devido processo legal, ampla defesa, segurança jurídica, uniformidade e estabilidade da jurisprudência, a garantia de segurança da informação e o atendimento às especificações técnicas de conexão à internet são aspectos essenciais para definição de um modelo de governança tecnologicamente informado para o Judiciário brasileiro.

Registre-se, por fim, que o papel humano, em qualquer inovação tecnológica é essencial e imprescindível, não havendo que se falar irrestritamente de substituição por softwares, mas de preservação de direitos, efetivação de princípios e aperfeiçoamento institucional, tal como ocorreu com a Lei nº 13.994/2020 que permitiu a conciliação não presencial nos Juizados Especiais Cíveis.

*Wilson Sales Belchior é advogado, sócio do escritório Rocha, Marinho e Sales Advogados e conselheiro da OAB Federal

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/e-urgente-o-debate-sobre-tecnologias-na-justica/


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