9/07/2020
OPINIÃO
A precipitada criminalização da apropriação indébita de ICMS
9 de julho de 2020, 6h04
Por Monica Matsuno de Magalhães e João Vinícius Manssur
Na terça-feira (7/7), foi deflagrada a força-tarefa “direto com o dono”, em Minas Gerais, engajada por Polícia Civil, Receita Federal e Ministério Público Estaduais, que culminou na prisão de Ricardo Nunes, fundador da Ricardo Eletro, por suposta prática do crime de apropriação indébita tributária de ICMS.
A operação reflete a prematura aplicação do julgamento proferido pelo STF em dezembro de 2019, no Recurso Ordinário nº 163334, no qual foi fixada a seguinte tese: “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do artigo 2º (inciso II) da Lei 8.137/1990”.
No entanto, ressalte-se que tal entendimento não dispõe de repercussão geral, logo, não se aplica automaticamente a casos análogos, presentes ou futuros, pois refere-se apenas ao caso concreto, qual seja, Habeas Corpus originário do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Ademais, não cabe aos ministros do STF tipificarem a conduta do contribuinte, que declara suas obrigações e não as adimple, como apropriação indébita criminosa, vez que é imprescindível a publicação de lei federal para constituir crime.
Ainda assim, o suposto crime de apropriação indébita tributária decorre de duas condutas simultâneas: o contribuinte é devedor contumaz (deixa de recolher tributos reiteradamente) e age com dolo de se apropriar, ou seja, tem a intenção de lesar o erário, sendo que tal dolo há de ser devidamente comprovado pela Fazenda.
É dever da Fazenda estadual demonstrar que o patrimônio dos responsáveis legais foi majorado em decorrência da apropriação do tributo, sem afastar a possibilidade de ganho patrimonial de outras fontes de renda, haja vista que não há empecilho para o contribuinte aferir renda em outras atividades empresariais.
Deve a Fazenda observar ainda a possibilidade de o contribuinte arcar com os tributos. E, diante do cenário pandêmico, é evidente que a capacidade contributiva foi reduzida pela crise econômica e financeira decorrente da Covid-19, tanto é que o governo federal e alguns Estados prorrogaram o recolhimento de tributos por noventa dias.
Por fim, para evitar a arbitrária aplicação da tese fixada pelo STF no final de 2019, é indispensável que o contribuinte mantenha a sua escrituração contábil e fiscal em dia, para demonstrar a ausência de dolo em caso de eventual não recolhimento de tributos.
Monica Matsuno de Magalhães é advogada, pós-graduada em Direito Tributário e sócia do escritório Manssur Advocacia.
João Vinícius Manssur é advogado, pós-graduado em Direito Empresarial e pós-graduando em Direito Penal Econômico.
Revista Consultor Jurídico, 9 de julho de 2020, 6h04
https://www.conjur.com.br/2020-jul-09/magalhaes-manssur-criminalizacao-apropriacao-icms